Sem o cajado

Robertão andava pela cidade e subia os morros do bairro, sempre apoiado em um cajado. Quase sempre trôpego, pelos efeitos do álcool. Vivia dos benefícios da aposentadoria. Costumava parar na casa dos vizinhos, contar uma história e arrecadar trocadinhos que alimentavam o vício. Teve mulher, que o abandonara. Não se sabe se tinha filhos. Falava pouco, falava baixo, quase não tomava banho e é possível que fosse feliz naquela infelicidade. Certa feita, bêbado e sujo, Robertão caiu na rua. Um conhecido, que chegava de carro, foi ouvi-lo na dor. Robertão aceitou ir ao médico. O homem olhou para o carro limpinho, mas, desprendido, acomodou Robertão no banco de trás. Um cheiro de álcool e corpo sem banho empesteava o automóvel. Seguiram viagem, rumo ao pronto-socorro. Por sorte, pouca gente à espera. Pouca gente, que preferiu aguardar do lado de fora. O amigo ficou a distância, enquanto Robertão fazia a ficha. No salão vazio, eles esperavam. Um longe do outro. Robertão teve vontade de urinar. Levantou-se e quebrou o protocolo. Soltou o mijo pelas pernas abaixo. O atendente tratou de apressar a médica, que logo o chamou. O amigo contou o que sabia. A doutora, uma linda jovem, pôs a mão em Robertão, fez a ausculta e mediu-lhe a pressão. A saúde não estava ruim. Mandou-o para o banho. O amigo buscou-lhe roupas e artigos de higiene. Voltou ao hospital e encontrou Robertão limpo, pronto para as roupas limpas. Um paraíso! Dia seguinte, pela manhã, Robertão passava muito bem. À tarde, tinha fugido. Pelo que se sabe, sem o cajado.