Meu amigo levou chifres

Boa tarde meus 23 fiéis leitores e demais 36 que dão uma passadinha por aqui de vez em quando. Como dizem, chifre é uma coisa que colocam na nossa cabeça.

Estou no bar, curtindo a banda de rock que toca ao vivo, quando o Flávio chega e senta ao meu lado. Vejo que ele está meio pra baixo.

- Estou me divorciando - diz. Minha mulher arrumou outro. Ex-mulher! - reforça, com desdém e dor.

Ele quer um ouvido amigo. Ofereço-o. Está indignado, pois o lance com o outro rolava já há uns três meses antes dele descobrir. Quer vingança, está magoado com ela e com raiva dos dois.

- Até pensei em pegar meu facão e ir pegar ela com o outro, mas depois pensei: ela foi embora, já era, não adianta nada, eu só ia arrumar uma bronca pra mim.

Sua vingança está restrita em ter se divorciado, estar contando pra todo mundo "quem ela é" e complicar as coisas na separação, na partilha e venda das coisas. Estavam casados há mais de vinte anos.

- Minha casa, minha churrasqueira, meu ateliê - ele pinta. Puxa, vou ter de começar tudo de novo. Não sei se confiarei mais em outra mulher.

"Sorte dele não ter filhos" - pensei. Seria muito pior.

Diz que foi pintar na praia. Pintava o mar, chorava e se fortalecia.

- O mar ali, imenso, e eu sofrendo por causa daquela sacana. Olhava para o mar e via que tem muita coisa legal na vida. E eu quase infartei nos primeiros dias! Achei que minha vida tinha acabado.

- Pois é, tu só vai sair dessa quando olhar pra frente, pensar a tua vida nova no futuro. Superar - disse pra ele.

- É, eu tenho de elaborar isso, eu sei.

- Passa. É como jogar bola, cair e dar com o joelho num toco ou numa pedra. Dói um monte, a gente acha que não vai suportar, mas passa.

-É.

- Além de olhar pra frente, não fazer nenhuma burrada, não sair a tomar tragão e pegar mulher. Sarar, primeiro. Não fazer como o cachorro que é solto da corrente e, ao sair correndo pra rua, morre atropelado.

- É.

- Vai doer por um tempo, vai levar um bom tempo, vai ser difícil, pois essas coisas são assim mesmo, mas vai passar.

- É.

Ia falar pra ele não ficar desabafando isso pra todo mundo, que muitas pessoas não estão a fim de ouvir e, nesse momento, quem está mal quer falar do problema com todo mundo, até para pessoas que depois vão zombar dele, pelas costas. Vão contar para os outros e vão rir.

Ele me olha:

- Antônio, tá vendo aquelas mulheres ali naquela mesa?

- Tô.

- Conheço algumas delas. Vou lá um pouquinho, puxar conversa. Tô aberto pra negócio mesmo.

- Tá, vai lá.

Senta ao lado de uma loira pernuda. Flávio tá com orgulho ferido, auto-estima em baixa, precisa provar algo para si mesmo nesse momento em relação ao sexo oposto. Acho que não é o momento, mas e dizer isso pra ele?

Somos tão frágeis e vamos morrer um dia. Eu, o Flávio, a ex-mulher dele e o seu novo companheiro, você, as gurias da mesa ao lado, o pessoal da banda, o dono do bar e os funcionários, o Lula, a Dilma, o Aécio, o Cunha, o Sérgio Moro, o Papa Francisco, o Obama, o Putin, os refugiados do Afeganistão e da Síria, a Luiza Brunet. Todo mundo. Mas a tragédia que assisto naquele momento é a do Flávio, sua dor pela perda da companheira, que o trocou por outro.

- Sabe Antônio, descobri que tem muita solidariedade dos homens nessa hora, tem muita gente que entende, que apoia, que aconselha, porque muita gente já passou por isso, sabem como é - ele me dissera um pouco antes.

Com certeza. Espero que o Flávio encontre solidariedade e consiga olhar pra frente, elaborar, superar. Quem fica preso ao passado ou a algo que já morreu, habita num museu-necrotério, roda num beco sem saída, anda num labirinto.

As pessoas andam se machucando muito, esquecem que são frágeis e que vão morrer e que a solidariedade é tudo o que pode amenizar esse fato, muito mais que essas ilusões que nos sustentam, incertezas de aço e concreto armado!

Boa sorte Flávio. Cuidado com essa loira pernuda, muito cuidado, principalmente nesse momento você não é um adversário à altura para ela.

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Era isso pessoal. Toda sexta, às 17h19min, estarei aqui no RL com uma nova crônica. Abraço a todos.

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(Não sei porque eu ainda coloco o link desse blog, eu perdi a senha e não atualizo ele há séculos. Até eu descobrir o motivo pelo qual continuo divulgando esse link, vou mantê-lo. Na dúvida, não ultrapasse, né. Acho que continuarei seguindo o conselho que a Giustina deu num comentário em 23 de outubro de 2013: "23/10/2013 00:18 - Giustina

Oi, Antônio! Como hoje não é mais aquele hoje, acredito que não estejas mais chateado... rsrrs! Quanto ao teu blog, sugiro que continues a divulgá-lo, afinal, numa dessas tu lembras tua senha... Grande abraço".)

Antônio Bacamarte
Enviado por Antônio Bacamarte em 19/02/2016
Reeditado em 19/02/2016
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