Divina tecnologia

Entrei no banco e preferi a escada ao elevador. Subi calmamente até o terceiro andar, onde há caixas e escriturários. Queria apenas meu talão de cheques; fui direto ao balcão onde antes se lia “cheques – façam fila” e estranhei a falta da placa; a fila sempre bem concorrida desaparecera dali. E o Alfredo, que há anos me atendia naquele balcão? A rotina nos fizera um pouco íntimos e sempre trocávamos breves impressões. Cheguei a ficar sabendo que certa feita ganhara pequeno quinhão na loteria o que não foi suficiente para cobrir os gastos com a moléstia da mulher; sabia que adorava futebol e que era uma pessoa alegre,embora se sentisse explorado... Também eu lhe confidenciara algumas particularidades... Mas cadê o Alfredo? – indaguei. Me responderam secamente que não estava mais na seção e que meu cheque agora era na máquina eletrônica lá no térreo.

Incrível, uma máquina que imprimia cheques, depressa, sem conversa, sem assinatura! Desci as escadas e me posicionei na pequena fila. Meio perturbado, já observava meu cartão. Odeio essas máquinas com todos esses cartões; afinal sou daqueles que só se sentaram diante de um volante de automóvel depois dos vinte anos; em criança, não tendo em casa automóvel para fazer longas viagens sem sair do lugar, andava às vezes de carona – no jipe do Waldir ou no do Maurílio – ali à direita do motorista. Sequer fora acostumado às máquinas de calcular. Me fascina apenas o romantismo de uma singela e bem batida máquina de escrever.

Conseguiria eu operar bem aquela maravilha da eletrônica e extrair um talão? Afinal, escalando saldos e extratos, eu já fracassara em outras ocasiões. E a desenvoltura dos usuários outra vez estava ali a me inibir.

Que falta me fazia o Alfredo com a conversa e o pedido de assinatura na requisição! Tudo tão simples, tão humano... Chegara minha vez, não havia outra saída senão enfrentar o monstro. Eis-me diante do inimigo; mal coloquei os óculos para ler as instruções e já ouvi impacientes sussurros! Descontrolei-me um pouco, reli e fui em frente. Cartão no local apropriado, retirada do cartão, mais alguns segundos e a máquina expelia o cobiçado talonário. Indiferente aos olhares escandalizados de meu analfabetismo tecnológico, parti, vitorioso.

Ganhei a rua e me lembrei do Alfredo. É bem provável que tenha sido despedido por aquela usurpadora; aí então estará menos feliz, menos torcedor, menos conversado, justamente ele, que tão bem atendia a todos. Não seria impossível ainda que ele estivesse lá, recôndito e silencioso, alimentando aquela máquina fria; então o Alfredo, todo máquina, jamais será o mesmo. Divina tecnologia!

Texto originalmente publicado, em novembro de 1995, no jornal O Canguru, informativo do Colégio Técnico Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora. A presente versão contém leves alterações.