A INUSITADA CONSULTA

A INUSITADA CONSULTA

FlávioMPinto

Por fim, João se tocou para Brasília a convite de um companheiro de longas cachaçadas no Mercado. Pelo menos para isso elas serviram. Agora estava com tudo: “auxiliar da presidenta” e tudo mais, ninguém podia se meter com ele. Com a “corda” que recebeu dos antigos companheiros do partido, logo voltou a ser o João, o Vermelho do Mercado, o cachaceiro, corrupto e arrogante, que estava adormecido no seu subconsciente. E esqueceu tudo que pensou e disse nos últimos tempos.

“Te mete, hein?” era seu novo bordão. Não abriu mão de nenhuma mordomia com exceção do motorista. Preferia ele mesmo dirigir seu carro funcional. Não respeitava nada. Faixa de pedestre, por exemplo, que em Brasília é território de pedestre, para ele não valia. Velocidade acima do permitido era rotina. Ignorava os “pardais”.

“Ah, não tem problema. Depois vou lá no DETRAN e com o crachá da Presidência da República tiro a multa”. E assim procedia. Estacionava como queria e em qualquer lugar. Quando reclamavam, respondia, grosseiramente: “ Não te mete, vai cuidar da tua vida!”. Reinava e já estava ficando conhecido nas rodas de funcionários do Planalto. Sabiam até que era amigo de um tal de Guevara. Quando falavam assim ele corrigia e dava uma lição de moral no ouvinte: “É Quevara, entendido?”. Por sua agressividade ninguém ousava perguntar porque Quevara. Quando perguntavam o que fazia no Planalto e qual era sua repartição, respondia alto e em bom som-“ Tô aqui para infernizar os coxinhas”.

Até que foi interpelado por um figurão do governo e teve de descrever as características e dons do seu amigo psiquiatra. Quando falou que o amigo era cubano, o figurão quase teve um chilique e derreteu-se enlouquecido em elogios ao regime castrista.

“ Mas me conte em detalhes quem é esse seu amigo, esse tal de Quevaaara?” pediu quase implorando.

E João teve de contar as longas passagens, as teorias e até as palestras em Porto Alegre.

-“ Vou precisar de ti, João, vou te procurar. Deixo um cartão contigo e conte comigo lá no Planalto”.

- “ Ahânn. Está bem. Tchau”.

O encontro foi providencial, pois uma semana depois o “figurão” estava desesperado atrás do João.

-“ João, João, estou precisando urgente de ti”, disse em recado no telefone desesperado.

Sentindo o desespero do novo amigo foi, na primeira oportunidade, á sua procura. Logo soube que a primeira mandatária da República estava tendo surtos, sonhava acordada com a União Soviética e evocava Cuba e Albânia seguidamente nos seus devaneios. Foi num desses, em que estava chamando “Urubu de meu loiro” e queria um colóquio com Henver Hoxa mais Stalin e Hugo Chávez, é que foi chamado.

Ao chegar no palácio sentiu o ambiente pesado como se algum despacho de macumba estivesse sendo preparado lá.

“ Isso é coisa pro Quevara” e foi logo para o telefone procurá-lo em Porto Alegre. Não o encontra, mas fala com D.Calú e lhe conta o que se passava de uma forma bem sintética e pede que Quevara ligue o mais rápido que possa para ele.

João solicita que o Quevara venha com urgência e este, já pressentindo a encrenca que o esperava nem que o amigo voltara a ser o que era antes, trás consigo Jurema Palomita, uma velha benzedeira de quase oitenta anos muito conhecida em Palomas, vila rural de Livramento, na fronteira com o Uruguai.

Jurema era um figuraço. Passou a morar só depois da morte do marido. Tinha 7 filhos, todos homens, daí seu apelido de Mulita em Palomas. Era a parteira oficial da vila, não tinha habitante que não tivesse passado por suas mãos. Reinava na sossegada vila. O seu forte eram as benzeduras que aprendeu com um conhecido curandeiro de Rivera. Se metia na vida de todo mundo. E sua maior diversão era ir a Porto Alegre, onde os filhos moravam e trabalhavam, infernizar a vidas das noras.

A velha começou a dar problemas já no aeroporto: não queria abrir mão de carregar suas tralhas de benzedura ao arrepio das normas aeroportuárias. Tinha que levar tudo na mão como bagagem individual, desde a chaleira preta até sua bengala com cabo de marfim e com uma caveira pequena no cabo, trabalhada na madeira pelo Tierra, seu mentor intelectual. Após uma diplomática intervenção de uma policial federal, conseguiu colocar tudo numa caixa de papelão e despachar como bagagem. Foi um sufoco. Atrasou a saída do avião em quase meia hora. Vigiada de perto pelos comissários de bordo a viagem foi sem problemas.

João os esperava ansioso em Brasília. Estava mais gordo e já foi falando:”Olha, Quevara, esqueça o que fiz e disse ultimamente. Voltei a ser o João do Mercado e não se fala mais nisso”. E se calou.

A “presidenta”, como falava o João, já apresentava sinais de demência com agressões verbais cada vez mais fortes aos auxiliares, sem motivo algum, e quebra de móveis, constantemente. Já foi flagrada andando de madrugada nos corredores do Palácio resmungando, falando sozinha e xingando autoridades invisíveis que diz perseguí-la.

Seu bordão favorito nestes casos é -“eles não perdem por esperar!”.

Quevara analisou bem a situação e disse que o caso não era para ele. Pela sua avaliação, já tinha sido ultrapassada a loucura ideológica e recomendou uma benzedura da velha Jurema.

Ela, a “presidenta” já ultrapassara suas teorias. De neurótica passou a um perfil entre psicótico idealista e um paranóico ideológico, com ares de catatônico ruminante, dizia. Um festival de loucuras ideológicas. Mas era demais para o Quevara, então entrou em ação a velha de Palomas.

Chamada ao Planalto, fez logo umas benzeduras na rampa de acesso sob olhar atento de um soldado, mas conseguiu fazer o trabalho. Lavou a parte de cima da rampa com um chá de Losna com urtiga e pediu para deixar secar ao sol.

No gabinete da presidenta teria de ir á noite e escondida. Tudo foi providenciado pelo João; o Quevara levaria os instrumentos da benzedura. Bem tarde da noite, silêncio absoluto no Palácio, nenhuma viva alma rondando, lá se foram os três para o serviço. A velha não pode jogar suas benzeduras no chão para lavar e limpar as impurezas como desejava por causa do carpete, mas lavou com cuidado a mesa com tampo de vidro da “presidenta” com losna e urtiga acrescentando arruda.

“Agora me deixem sozinha e esperem lá fora”, pediu a velha.

Meia hora depois saiu.

“ Olha , Tchê, tava difícil. A côsa tava mais braba e feia que nem burro que comeu urtiga”.

“ E agora, Juremita?” falou Quevara.

“ Agora é aguardar e eu já vou embora, me tira daqui, João. Eu resolveria isso com uma boa tunda de laço com vara de marmelo ou rabo de tatu” disse a velha saindo com suas tralhas nas costas. “ Vou guardar a tunda para o João quando ele me aparecer no Rio Grande. Seja o que o Velho lá de cima quiser, tchau”.

Por fim, Quevara foi questionado como tratar a “presidenta” e deu seu diagnóstico por escrito, depois de investigar em detalhes a vida da “presidenta”.

Diagnótico:

“ Apresenta traços graves de manias e perseguição do regime anterior, característica de uma paranóia ideológica, fazendo culpar seus antecessores por situação política.

É uma predadora nata do Erário e não assume seus erros. Dirige seu afeto a grupos marginais da sociedade fazendo proselitismo político.

Tem distúrbios de Folie á Deux com seu ex-companheiro. Apresenta graves distúrbios de psicopatia, sendo radical e insensível, pois vem sendo doutrinada desde a juventude.

Tem à sua disposição uma estrutura favorável legal para saciar seus delírios psicóticos com seguidas de fugas e amnésia psicogênica para saciar seus delírios.

É de difícil controle por sua baixa inteligência e pouca disciplina intelectual.

Apresenta forte tendência a praticar atos imprevisíveis que podem ser auto-lesivos.

Nos seus delírios, com conduta irascível, aconselha-se , ouvindo vozes de antigos líderes marxistas.

Não sabe que existe o lado de fora da Caverna de Platão, caracterizando-se como uma psicopata idealista, embora apresente, seguidamente, traços fortes de Catatonia Ruminante e Ecopraxia ideológica. Como Catatônica, seu desequilíbio mental remonta de não conseguir superar os problemas por ela causados no dia-a-dia. Remonta seu mundo ao arrepio das circunstâncias e fatos.

Adapta facilmente situações adversas á sua realidade virtual, tornando-se uma mentirosa contumaz.

Possui atitudes estereotipadas e estandardizadas percebendo-se que não é autêntica, integrando o grupo mais facilmente manobrado por outros grupos ou pessoas, bastando ativar palavras de ordem reconhecidas como Direita, capitalismo, McDonald’s, Estados Unidos, Shopping, Transgênico.

É extremamente agressiva, sempre prometendo vingança a quem a enfrenta e a vence.

Teve seu Ethos formatado na juventude que bloqueia atitudes contrárias a seu modo de pensar.

Repete á exaustão situações criadas no seu universo virtual para se defender de ataques.

Como Ecopráxica ideológica, é uma esquizofrênica com alucinações histéricas compulsivas. Apresenta hipervigilância sobre aqueles que se apresentam como ameaça potencial ao seu status, os quais repele com conceitos e frases estereotipadas e imutáveis, repetindo-as contumazmente.

- Conclusão- a paciente não consegue mais assumir seus atos nem responsabilidades e está completamente desequilibrada por causa de um série de neuroses. Tende a se fazer de vítima para conseguir o que quer e não se furta em mentir para driblar a situação. Tornou-se uma mentirosa compulsiva sem retorno. A solução está no seu reconhecimento de refutação e desmascaramento de suas ações, mas como é uma mentirosa contumaz, não dá para acreditar nela e aí o diagnóstico fica prejudicado.

O seu cérebro tem de ser reformatado com Olanzapina e Rivotril. Era isso.”

Entregou o papel ao chefe de gabinete e se mandou com a velha para Porto Alegre. Nem se despediu. O difícil foi segurar a velha, que queria dar uma surra com seu rebenque de rabo de tatu no João, por causa de seu retorno ao que era antes.