A MELINDROSA

A melindrosa

Sou aquela que passa e ninguém vê...

Sou a que chamam triste sem o ser...

Sou a que chora sem saber por quê...

Florbela Espanca

Belvedere Bruno

Perguntei a ela por que vivia chorando e se lamentando. Virasse fera!

Tive perdas na vida; já chorei, me desesperei, depois me aquietei, como a própria natureza se aquieta após seus maremotos, ciclones, erupções vulcânicas.

Ela continuou chorando e se lamentando; os olhos vermelhos, a face congestionada, porém não admitindo virar fera. Dizia que, nessa sugestão, estava implícita a idéia de enjaulá-la.

Não sabia o que fazer para dissuadi-la daquele estado emocional. Sugeri psicoterapia, reiki, passes, pajelanças, entre outras coisas.

Surgiu-me, então, através de um sonho, a idéia de pegar a melindrosa azul no baú de fantasias de minha avó. Mostrar, através da melindrosa, o avanço da mulher nos últimos tempos. Mas era um baú tão velho! A maior parte das fantasias deveria estar extremamente rota.

Encontrei a melindrosa! Descorada, desfiada, meio amarelada e com suas franjas sem o antigo balanço.

Saí pelas ruas vestida com ela, fumando um cigarro e com uma peruca chanel. . Encenei um ato libertário!

Visitei a moça que, espantada, disse: - Como teve coragem de sair com uma roupa assim? Um tempo tão antigo... - Ao que respondi - Para, justamente, relembrá-lo e mostrar o quanto avançamos até os dias atuais. Esse traje foi um dos nossos símbolos de libertação. Nessa época, jogamos fora os espartilhos! Mais tarde, os sutiãs! Agora, jogamos fora os lixos, que tentam se acumular em nossa tela mental.

A mulher, esse ser tão oprimido através dos tempos que, ainda hoje, enfrenta algumas mazelas, pode se considerar uma vitoriosa.Pensar que um dia, sequer direito ao voto tinha...

O casamento deveria ser a meta e cuidar dos filhos o grande ideal. Se algo ocorresse fora do contexto, como a separação, ela carregaria um fardo para o resto da vida, através da discriminação social.

Aturar bebedeiras de marido, surras, traições, tudo era necessário para que mantivesse o casamento. Carregar a cruz até o final dos dias. Era o preço! Elas tinham razões de sobra para chorar!

Hoje, a mulher compete de igual para igual com o homem nas mais diversas áreas. Provou o quanto é capaz. Conseguiu conciliar o "ser mãe" e "ser trabalhadora", sem as antigas culpas. A mulher merece, e tem o direito de ser feliz!

Digo à moça: - É seu tempo! Não desperdice seus dias. A vida é sua, e a você compete arquitetar carinhosamente o seu destino.

Retiro, então, a peruca chanel, percorro as ruas ainda vestida com a rota melindrosa azul, mas de significado concreto e rico.

Certamente, cumpriu o seu papel, em pleno século 21!