Aviãozinho de papel

Eu andava por uma tarde um tanto preguiçosa quando pousei os olhos no sorriso de um pequeno que andava, serelepe, para cima e para baixo, pelo corredor do shopping.

Ele parecia planar sobre si em sua correria silente, numa imaginativa andança sobre as nuvens que cobriam sua puerilidade.

Eu, por um instante, sorri aquele puro sorriso, observando o que ele fazia com um pedaço de papel mal dobrado em forma de avião. Mão erigida, ele criava uma atmosfera de magia para o encontro do aviãozinho com o ar, como se ele próprio pudesse voar sem sair do chão, lançando-se no azul do céu feito pássaro a contemplar a vida enfática que vem de encontro ao rosto.

Percebi, então, que é necessário tão pouco para criar a felicidade: um simples papel amassado dava asas à imaginação. O que passava pela cabeça daquele menino? Teria ele alguma preocupação com o futuro ou com o fato de estar sendo observado por alguém? Seria rico ou pobre, bom ou ruim nos estudos? Teria chance de um dia se formar e arranjar um bom emprego? Nada importava mais que sua imaginação naquele momento.

Então eu contemplei minha alma e percebi que havia crescido, mas não perdera com o tempo os fascinados olhos de uma criança: ainda sou capaz de ver que a jiboia digere um elefante, não tendo necessidade de maiores explicações. O que seria deste imberbe cronista se a gelidez das pessoas grandes o tivesse contaminado?

É necessário rir da vida sem impor dificuldades ao espírito; é necessário dedicar um tempo para amar os dias em seus detalhes, deitar no chão e rolar pelo tapete da sala como se o tempo não existisse; é necessário esquecer os próprios conhecimentos para se entregar à existência: a sobriedade é um grave desencontro, afinal, a busca incessante por motivos e utilidades para as coisas esmoece, pouco a pouco, o colorido que nos cerca.

Perceba: os sentimentos mais puros são aqueles que chegam imotivadamente, num repente capaz de assolar a alma em esplendor – podendo durar um átimo ou uma vida inteira, arrepiando os pelos e acendendo a alma.

Os porquês, quando irrelevantes, atravancam a poética que é faísca para o sentimento de humanidade. E aquela criança despida de malícias numa tarde de domingo personificava o fenômeno da inspiração: pedaço de liberdade a derramar estrelas pela consciência - o que não ocorre se forem os olhos desprovidos de ingenuidade, pois a maturidade deve chegar inquieta, mas repleta de delicadeza.

Então é isto que levo comigo: buscar a leveza das coisas é um caminho para a autoconstrução, um mergulho na delicadeza dos gestos do qual não é possível retornar com os mesmos conceitos. Pego carona num aviãozinho ou num barquinho feito à mão e tomo meu rumo pelas estradas da imaginação: campo fértil num mundo contaminado pelo pragmatismo gélido que nos prende os pés ao chão.

Afinal, a delicadeza é aquilo que nos torna capazes de sentir a dor do outro, de sentir a pulsação dos dias, de ouvir o que dizem as constelações - "Pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas", nas palavras de Bilac.

Então tomei para mim o exemplo do menino e segui em frente pela tarde de domingo, pensando em colocar as ideias no papel - na mente, estão todas soltas, abstratas -, ainda com aquele sorriso nas retinas.

Não era o aviãozinho o motivo da felicidade, concluo eu, mas o simples fato de não impor obstáculo algum para ser feliz - eis o segredo do deleite pleno.

*Texto publicado no dia 29 de setembro no caderno Dmais do Jornal O Diario, de Campos-RJ. Toda quinta, um novo texto.

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Ronaldo Junior
Enviado por Ronaldo Junior em 29/09/2016
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