Tarde da noite, quando estacionava o carro na garagem, uma “pedra” se movia; deixei o farol aceso e ao chegar perto deparei com uma tartaruga com uma cordinha amarrada ao casco. Peguei a bicha e vi que fizeram um furo no traseiro do seu casco para amarrar a corda e que mastigava uma bolinha vermelha.

_ O que você está fazendo num lugar desses?

Procurei o outro pedaço da corda em toda garagem e nada. Como o prédio é sobre pilotis, reparei no muro ao lado, um lindo pé de café.

_ Então você está comendo café?

Ela ficou me olhando. Foi amor à primeira vista. Peguei a bicha, e como não vi ninguém a levei para minha casa. Eu morava alguns quarteirões dali.

_ Que jaboti lindo! – comentou o porteiro.

_ Ué! Não é uma tartaruga?

_ Na minha terra dá o maior ensopado.

_ Não se atreva Zé.

Senti o meu coração bater como se o animal me pudesse ser roubado. Era muito trauma para um bicho, quase atropelado, engasgado, carregado e agora ameaçado? Subi feliz da vida com o mais novo morador do oitavo andar.

_ Você vai se chamar Tuché. Eu sou a Lô.

No outro dia, antes de ir para o trabalho me certifiquei de que Tuché tivesse tudo do que precisava: água, cenoura, alface e jornal. Na hora do almoço fui a uma livraria para saber mais sobre tartaruga, jaboti e semelhantes. Encontre um livro sobre animais de estimação e descobri que a Tuché era uma jabota, a fêmea do jaboti, parente do cágado. Conheci tudo sobre jabotis: que são quelônios terrestres, não gostam de frio e outras coisas mais. Tuché não emitia nenhum som, tinha olhos inteligentes e adorava passear pela casa. Debaixo da cortina era seu lugar preferido. Quando precisava fazer suas necessidades ela ia até a caixa de areia e punha suas bolotas. Quando eu chegava do trabalho ia saudá-la, tomava-a no colo, acariciava sua cabeça cascuda e contava como foi meu dia. Depois que a alimentava passava óleo mineral em seu casco para realçar os desenhos que eram lindos. Se por qualquer motivo não eu não pudesse lhe dar atenção, ela me seguia com seu andar calmo e rebolativo e muitas  vezes até ganhava um colo. Nos dias que eu ficava em casa, abria a porta para Tuché dar uma volta no corredor do prédio; ela seguia colada a parede até a porta dos vizinhos de fundos e na volta dava uma paradinha no tapete de fibra de côco  e entrava de novo em casa. Isso se repetiu por muito tempo. Meus vizinhos amavam Tuché, ela fazia parte da família do andar. Quando estava frio ela saía de sua caixa-casa e ia para meu quarto dormir sob a cortina. Se por qualquer motivo a porta estivesse trancada ela batia com o casco para eu abri-la.

Sua inteligência era impressionante. Um dia, minha vizinha tomava um café comigo quando deu um grito.

_ Que foi?

Tuché deu uma abocanhada em um dos seus dedos do pé.

_ Tuché me mordeu.

_ Ela nunca fez isso, estranho!

Depois associamos a unha pintada de vermelho com as sementes de café que ela comia na garagem quando a tomei.

Assim o tempo foi passando. Certo dia, ao chegar em casa à noite, o porteiro me chama.

_ Quando o Mané foi ensacar o lixo a sua Tuché caiu.

_ Caiu? De onde?

_ Estava no lixo.

_ Cadê minha bicha?

Escondida num canto, debaixo de jornais, a minha Tuché abria e fechava a boca sem emitir um som sequer. Seu lindo casco faltava uma fatia e o osso misgalhado da borda do corte entrava pela carne clara e toda suja. De imediato fui à clínica veterinária próxima.

_ Vou fazer uma limpeza e providenciar um tampão.

Fiquei esperando o veterinário trazê-la, o que demorou bastante. Quando chegou ela estava com uma massa cinza parecendo cimento, tapando o buraco.

_ Ela não vai resistir muito tempo. Ficou muito ferida, o buraco deve ter sido causado pela parede aspiralada da lixeira. Por que alguém faria isso?

Ela durou ainda uma noite.

Dentro de uma caixa ela girou, girou, com a boca abrindoe fechando sem parar. Meus vizinhos foram vê-la e nos surpreendemos com lágrimas descendo de seus olhos. Recordei-me, certa vez de uma ovelha que lacrimejou ao ser morta. Não a vimos morrer, mas sentimos todo o pesar. No outro dia exigi que  o corpo dela ficasse por um tempo na portaria com o cartaz: “ALGUÉM NÃO SUPORTOU QUE ELA FOSSE MAIS DÓCIL E INTELIGENTE”.

Alguns dias mais tarde um faxineiro pediu as contas no condomínio. Soube que a deixei do lado de fora quando fui para o trabalho e sem ter como entrar em casa ela foi numa parte do corredor e fez sua caca e xixi. O resto vocês imaginam.