29 de novembro

Belém, 29 de novembro de 2016.

Hoje foi um dia pesado. Do tipo que amanhece disposto a te marcar, seja por 20 anos, seja para sempre. Cheguei de Brasília, num pouso de meia-noite em Belém, desejando a cama quentinha a me descansar por mais uma missão cumprida. A última coisa que poderia me passar na cabeça era assistir noticiários. Apenas dormir.

No comprar do pão (comprei três pães, dois carecas e um hambúrguer, perguntem para alguma testemunha no futuro), recebi a notícia que um avião caiu. O avião da delegação da Associação Chapecoense de Futebol, a Chape, finalista da Copa Sul-Americana, um sonho realizado do modesto clube que com gestão e trabalho, galgara rapidamente os degraus do futebol brasileiro e surpreendentemente se torna finalista de um importante torneio internacional. 71 pessoas morreram e seis sobreviveram ao acidente: dois membros da tripulação, três jogadores e um jornalista.

Diante dessa tragédia, que seria dolorosamente lembrada por toda a vida de familiares, amigos e colegas das vítimas que incluíam além de futebolistas, jornalistas e tripulantes, vi-me obrigado a registrar como alternativa para meus netos, bisnetos e adotados do coração lerem e dizerem: “olha lá, o vô viu dessa forma os acontecimentos”. Saibam, filhos, que eu senti muito, muito mesmo, pesquisando aqui e ali nos e-jornais e redes sociais sobre a comoção do acidente. Tantos jovens ceifados cedo demais. Nem me interessava tanto por futebol nesta fase, por conta da Ditabranda de 2016, que entre outras coisas nefastas, trouxe a monopolização da transmissão do futebol brasileiro pela Globo aos domingos, que somada a sua mais uma vez participação de um Golpe Parlamentar-Jurídico-Midiático, me afastou durante todo o ano dos bons jogos da TV. Droga, perdi assim todo o desempenho da Chape.

Não consigo imaginar o número de pessoas que perderam alguém amado naquele avião. Sim, porque nestes tempos as relações e interações entre as pessoas ocorrem às centenas, senão aos milhares, uma dor espalhada como há muito tempo eu não via. Se eu que nem era próximo fiquei destruído por dentro, da dor familiar não me atreveria a falar...

Um dia 29 de novembro que também foi objeto da História em outra circunstância: a do Estado que procurava descolar da Nação por conta de uns pulhas. Refiro-me aos congressistas que votariam no Senado Federal o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 55, de congelamento dos gastos públicos por longos 20 anos. Numa justificativa tacanha, diziam ser necessária a mudança na Carta Magna para que o país realizasse o ajustamento de suas contas. Nosso mal era na verdade uma sandice de décadas a mando do Banco Central, o qual destinava anualmente entre 42 e 45% de todo o orçamento da União para pagamentos dos juros e amortizações da Dívida Pública, com bancos privados a estourar os botões da camisa na parte da barriga com a fartura da dinheirama comida. Para os miseráveis, pobres e classes média (exceto os classes média alta que semelhavam ou sonhavam ser os super-ricos riachuelos do país), o arroto.

Neste dia, filhos, eu tomei banho, sonolento de ter me deitado quase à 1 hora da manhã, levantei junto com minha guerreira esposa às 06 horas, deixei o Vicente no colégio aqui no bairro da Marambaia e segui para a sede da CNBB para fazer uma reflexão coletiva com freiras da Congregação de Notre Dame (a mesma da Irmã Dorothy) sobre a conjuntura mundial. Irmãs gentis, doces e lutadoras de países como Congo, Quênia, Zimbabwe, Peru, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Brasil (Anapu, Marajó) que compartilharam comigo a impressão de que o mundo possuía duas espécies do gênero Homo: Homo Sapiens 1% e Homo Sapiens 99%. Não, meninos e meninas, não é algo percentual relacionado com o código genético. É simplesmente os 1% que nosso tempo produziu a ter a mesma riqueza financeira que a soma dos outros 99%. Assim, moços, fiz parte dos outros 99%. Moças, fui um precariado com uma dor de joelho que vivia me perseguindo e era mal curada uma vez que atendimento médico estava difícil. Uma Ditabranda tão nociva quanto à Ditadura, pois mata também, só que prefere fazer isso aos poucos, na perversidade de chegar às tentativas de assassinato até da Memória das Mulheres e Homens da Boa Vontade. Mesmo o popular Papa Francisco I estava passando dificuldades na Igreja por suas posições cristãs-comunistas diante do Status Quo. Mas isso é outro assunto para contar.

Em Brasília, neste dia 29 de novembro, enquanto alguns senadores lutavam para convencer a maioria do erro humano de se aprovar uma Lei que mexia com o acordo constitucional entre Estado e Nação nas suas formas básicas de atendimento em saúde, educação e saneamento básico (ridiculamente investido em 2015 pela União na esmola de 0,01% do Orçamento Geral da União), do lado de fora do Senado, milhares de jovens sofriam com gases lacrimogênio e cassetetes soltados pela polícia local, com uma Globo acusando aqueles estudantes cientes de seus direitos de vândalos. Ah, essa Grande Mídia Brasileira Eternamente Golpista... Tá na sua gênese, não esqueçam...

Bom, para não terminar este texto facilitando vossa leitura ao dizer se a PEC foi aprovada ou não, aqui termino às 21 horas e 29 minutos, enquanto a votação não finaliza. O resultado? Ué? Vai estudar quié, pequeno! Pequena, procura o motivo de eu não te contar neste escrito. Pelo menos movam o músculo da cara para sair aquele sorriso de lado a ironizar a minha esquisitice de pseudo-escritor.

Só sei que estava muito cansado.

Foi um dia pesado.

Caiu o avião da Chapecoense e Votou-se a PEC dos 20 anos.

A Primeira Tragédia (Deus conforte as famílias e amigos) ocorreu logo nas primeiras horas do dia.

A respeito da segunda...