INVERSÃO DE VALORES

INVERSÃO DE VALORES

Miguel Carqueija

O tempo leva os acontecimentos cada vez para mais longe, mas a memória ainda os conserva. Mesmo ela, porém, se embota com o tempo, mas relembrar fatos no papel ou mesmo publicá-los ajuda a manter a lembrança do que vale a pena lembrar.

Há muitos anos atrás escutei essa história de Dom Ireneu Penna, monge beneditino do Rio de Janeiro. Ele já saiu deste plano faz tempo, mas por muitos anos eu e ele tínhamos longas conversas. Era um homem sábio, culto, piedoso e de inteligência aguda.

Contou-me Dom Ireneu que estava andando pela Praça Saens Peña, na Tijuca, quando teve sua atenção despertada por um tumulto. Um adolescente havia derrubado uma senhora idosa para roubá-la. Felizmente apareceu um PM que segurou o garoto. Sabemos que um rapaz de 15 anos, digamos, pode já ser grande e forte, ainda mais diante de mulheres já idosas. O pivete provavelmente resistiu à prisão ou então o policial, revoltado com a covardia assistida, resolveu dar-lhe uns taponas.

Bastou isso para um grupo de transeuntes começar a reclamar da “violência policial”. Enquanto isso ninguém socorria a velha esparramada na calçada...

Pode ser que Dom Ireneu a tenha ajudado. Na sua modéstia ele não se referiu a isso. Mas quem reclamava...

O guarda, irritado com aquelas críticas, replicou então mais ou menos dessa forma:

“Vocês não sabem que esses tapas que eu dei são a única punição que ele vai receber? Eu vou levá-lo para a delegacia e daqui a pouco ele está solto de novo.”

E podíamos acrescentar: solto, e novamente assaltando. Como certo assaltante que cumpriu sua pena (que sempre é reduzida, já se sabe: condenados a 30 anos cumprem 6, é por aí) e, posto na rua, no mesmo dia foi reconduzido à prisão por tentativa de assalto. E sabem o que ele declarou? Assaltar era a única coisa que ele sabia fazer...

Mas voltando ao menor infrator: e os liberais de plantão ainda se revoltam contra a idéia de reduzir a idade para responsabilidade penal... tá bom, deixa como está para ver como fica...

Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 2017.