_______________“Mosca na Sopa”


 
Escapou ao cuidado? Escorregou pelo ralo? Se perdeu, já era. O ralo traz assim esse simbolismo das coisas que saltam para o vão, se esvaem, escapam pra não voltar. Segura, segura tudo, à boca do cano, pois de lá pra frente, adeus. Só a úmida escuridão dos subterrâneos.

A podridão dos esgotos, o fétido lodo que atrai e oculta ratos, baratas, moscas e outros seres que coabitam sob o asfalto é algo que dá arrepios. E pensar que tudo começa nos minúsculos orifícios dos ralos dos banheiros, dos tanques e das pias das cozinhas.

Uma infestação de escorpiões que há algum tempo vem tomando conta da cidade, deixa a população em permanente desassossego. Os terríveis aracnídeos, cercados por seus mitos, de repente podem estar por toda parte, atrás de quadros nas paredes, debaixo de tapetes, nas pontas das cortinas, na asa das xícaras, agarrados às toalhas... Em pânico, moradores se apavoram: de onde surge tanto escorpião?Ninguém sabe, ninguém explica. Mas dizem que é bom que se lacre os buracos dos ralos.

Escorpiões, ratos e baratas, seres abjetos que dão medo, assustam, causam má impressão, trazem mal-estar: será mero acaso a razão dos envolvidos na lava-jato e na complexa rede da nossa política também nos causarem tanta aversão? Sabe-se que ali pouca coisa se salva.  De certa forma, não há como negar: os esgotos de sob a terra subiram à superfície. Agora boiam em nossas casas, invadem nossas rotinas, da hora do café à hora de dormir.

Os imensos tubos enferrujados de onde jorra um incrível amontoado de cédulas — vinheta global, criada para simbolizar a lava jato — dão a impressão da amplidão e da podridão que envolve o escândalo da corrupção que devastou o País e vem se arrastando ao longo destes muitos anos de investigação.

E o pior, contra os invasores de terno e gravata, não basta fechar o ralo... São pragas que se propagam e parecem nunca ter fim. Como na história da Mosca na Sopa, cantada por Raul: ”E não adianta vir me dedetizar/Pois nem o DDT pode assim me exterminar/Porque 'cê' mata uma e vem outra em meu lugar”. Assim é a epidemia da corrupção que avassalou o Brasil: é caçar um, vêm mil atrás.

Estamos perdidos. Perdidos e malarranjados, e nem toda a inseticida do mundo parece ser suficiente para nos salvar.