A Menina da Esquina
A MENINA DA ESQUINA
Ela aproximou-se do carro, mas como era muito pequenina, o motorista não percebeu sua presença. Ela deu algumas batidas na porta do carro. Cláudio inclinou-se para ver o que estava acontecendo. A menina estendeu sua mãozinha, e disse com um sorriso lindo nos lábios: –Moço, me dá um dinheiro? –Para que você quer um dinheiro? –Quero pra compra um doce, lá na padaria da esquina. Por favor, me dá! –Eu acho melhor não. Você não vai comprar doce, eu sei. Você vai pegar o dinheiro, vai correr até aquela mulher que está naquele banco, e vai dar a ela. Sabe o que ela vai fazer com o meu dinheiro? Ela vai até a padaria e vai comprar cachaça, vai “encher a cara”. Sabe o que vai acontecer com você? Você vai ficar sozinha, por pelo menos quatro horas, porque ela vai ficar bêbada e vai ficar dormindo no banco. –Mas, se eu não der o dinheiro pra ela, ela vai me belisca e torce minha orelha! –Quem é ela? É sua mãe? –É! –Olha bem para mim, agora, me diz a verdade. Ela é sua mãe? –Não, ela não é minha mãe! Mas, eu não tenho mãe. Ela cuida de mim. –Você pensa que isso é cuidar de alguém? Quantos dias faz que você não toma um banho? –Ah! Moço, eu só quero um dinheiro! –Você não me respondeu! Há quantos dias você não toma banho? –Não sei, porque eu não sei conta. –Quantos anos você tem? –Ela disse que tenho isso oh! –A menina estendeu a mãozinha mostrando os cinco dedos da mão. –Ah! São cinco dedos! Então você tem cinco anos!
Cláudio saiu do carro, tomou a menina pela mão, foi até a padaria e perguntou-lhe: –Qual deles você quer? –Posso pedi? –Lógico que pode! Escolha um. –Mas, a menina ficou olhando os doces por alguns minutos, virou-se para Cláudio e disse-lhe: –Eu posso pedi dois? –Por quê você quer dois? Eles são grandes, você não vai conseguir comer os dois. –Um é pra mim o outro pra minha mãe. –Você não acabou de me dizer que ela não é sua mãe? –Sim, ela não é minha mãe, mas é como se fosse. –Eu vou fazer melhor. Vou te comprar um lanche e um doce, ok? Está bem assim? –Então tio manda corta o lanche em dois. –Já sei, um pedaço para você e outro para sua mãe! –Não, um pedaço é pra mim, o outro pra você. –Porque você acha que eu estou com fome? –Porque você deve ta voltando do trabalho. Você não comeu a tarde toda. –Eu estou com fome, sim, mas, minha esposa está me esperando para jantarmos juntos. –É bom tio? –O que é bom? –Te uma casa, alguém esperando você? –Por quê, você não mora em uma casa? –Minha mãe me levo, pra morar em baixo do viaduto. –Antes disso você morava em algum lugar? –Sim, eu morava num barraco, mas meu pai morreu e eu não tinha mais ninguém. Então ela me levo, pra mora com ela. –Qual é o seu nome? –Claudia, meu nome é Claudinha. –Você está mentindo, para mim! Só porque eu me chamo Cláudio, você está dizendo que o seu é Claudia. –Não tio, não to mentindo! Meu nome é Claudia! –Sei! Pequenininha, mas, bem esperta! -
Nisso, Cláudio ouviu alguém chamando. –Claudia, onde ta você? –A menina olhou para Cláudio, e disse. –É minha mãe. Ela ta me chamando. Preciso ir. Posso te vê amanhã? –Como? –Posso te vê amanhã? –Não sei, eu passo sempre por aqui, se você estiver por perto, agente se fala, ok?
-Cláudio foi para casa. Encheu de água sua banheira de hidromassagem, tirou a roupa e mergulhou até o pescoço. Recostou a cabeça na borda banheira. Nisso sua esposa chegou com um drinque e o deu a ele. Cláudio tomou o drinque, vagarosamente, com os olhos fechados, ouvindo uma música, e cochilou.
Sonhou que estava levando Cláudia pela mão e entraram numa loja. A balconista veio atendê-los. Assim que olhou para a menina ela disse. –Senhor, eu não posso provar as roupas na menina. Ela está muito suja! O senhor terá que comprar a roupa sem ser provada. –A menina olhou para Cláudio, disse-lhe: –Papai, eu quero prova as ropas. Eu quero compra duas ropas, uma pra mim e a outra pra você. –Mas como! Aqui só tem roupa para crianças! –Mas, elas serve em você, você é do meu tamanho! -Quando Cláudio olhou-se no espelho, estava do tamanho da menina. Nesse momento, sua esposa veio avisá-lo que o jantar estava servido. Ele acordou assustado, levantou-se, colocou a roupa limpa e, desceu para o jantar.
Sentado à mesa, Cláudio começou a pensar em Cláudia. “Será que ela tem alguma coisa para comer antes de ir dormir? Será que ela está com frio? Será...!” A esposa percebendo que Cláudio não estava comendo, mas só mexendo na comida, disse-lhe muito preocupada: –Querido você não gostou do jantar? –Sim gostei, está ótimo. –Mas você ainda não o provou? Como sabe que está ótimo? -Cláudio olhou para a esposa, com olhar de cansaço, disse-lhe: –Querida, me desculpe, mas não estou com fome. Você me dá licença, vou descansar um pouco. Talvez, mais tarde eu coma alguma coisa!
A esposa de Cláudio ficou com a pulga atrás da orelha. –Por quê será que meu marido está tão distante hoje? Alguma coisa aconteceu! –Naquela noite Cláudio sem saber, estava sendo analisado pela esposa. Que em cada gesto seu, ela decifrava uma infração. Ela jurou a si mesma, que iria descobrir o que estava perturbando tanto o marido.
Mais uma vez Cláudio estava passando pela mesma esquina. Ele até tinha se esquecido do episódio do dia anterior, quando alguém bateu à porta de seu carro e gritou. –Tio Cláudio, sou eu! Você não me viu? -Cláudio olhou para fora, e viu aqueles olhinhos brilhando de felicidade. –Oi, Claudinha! Tudo bem? –Agora tá. Mas, se eu não te chamasse, você ia embora sem fala comigo! Você não gosta mais de mim? –Claro que eu gosto! É que eu não tinha te visto. Vai querer um doce, hoje? –Quero, mas, você vai come comigo, tá bom? –Ok! Vou estacionar o carro e já volto.
E naquela tarde, Cláudio levou a menina para lanchar e depois comer um doce. Eles ficaram comendo e conversando por mais de uma hora, sentados os dois, numa mesa nos fundos do bar.
Quando Cláudio chegou em casa, sua mulher estava toda produzida, num vestido insinuante. –Você vai sair, meu bem? –Por quê? Não posso ficar bonita para esperar o meu maridinho? -E naquela noite Cláudio sentou-se à mesa, mas não estava a fim de comer. Sua mulher muito nervosa olhou para Cláudio e disse. –Onde você esteve até agora? Não vai me dizer que estava no escritório, porque eu liguei para lá, e me disseram que você tinha saído há tempo. –Peguei trânsito, querida. Você sabe como fica o trânsito no horário de pico. Naquela noite, quando Cláudio conciliou o sono, já era quase de madrugada. Ficou o tempo todo pensando na pequena garotinha da esquina.
No outro dia, quando Cláudio aproximou-se da esquina, diminuiu a marcha, olhou para todos os lados e não viu Claudinha. Estacionou o carro, foi até a padaria e perguntou para o balconista. –Você sabe me dizer, se a menininha que sempre fica pedindo esmolas na esquina, veio hoje? –Não sei senhor, pode até ser que ela tenha vindo, mas, não me lembro, me desculpe.
Naquela noite, Cláudio sentou-se para jantar, tentava engolir o alimento, mas, não descia. Mesmo assim, ele se esforçou o máximo para comer alguma coisa, porque percebeu que sua mulher não tirava os olhos dele. Cláudio foi para a sala, ligou a televisão, mas não conseguiu concentrar-se no noticiário. Depois de meia hora, inquieto na poltrona, Cláudio disse para sua esposa. –Vou sair, preciso comprar cigarros. Passou a mão no casaco, jogou-o nas costas e saiu. Sem ao menos lhe dar um beijo.
Cláudio voltou depois de uma hora de idas e vindas, nas proximidades da esquina de Claudinha. Estava cansado, irritado, e muito preocupado. Subiu direto para o quarto, e deitou-se sobre a colcha, atravessado na cama e dormiu. Quando foi acordado com os gritos de raiva da esposa, que o balançava para ele acordar. –Você é um canalha, Cláudio! Como pode agir dessa maneira comigo? Há dias que venho notando sua mudança de comportamento. –Cláudio assustado, sem saber o que estava acontecendo perguntou. –Mas, o que está acontecendo? –Como? Ainda finge que não sabe de nada? Você estava gritando o nome dela, bem aqui, na minha cara. Sua galinha, covarde! Porque não diz a verdade, de uma vez por todas. Que você tem outra mulher. E ainda por cima, ela se chama Cláudia! –Deixa de ser boba, meu bem. Eu não tenho outra mulher, eu te amo, como pode pensar isso de mim? –Tudo o que você disser agora, é mentira! Primeiro sintoma que eu notei, você deixou de comer. Segundo, você tem saído de casa e não me beija mais. Anda distraído, sem concentração, de mau humor. Até deixou de dormir, fica se virando na cama a noite toda. Confessa seu covarde, que você tem outra!
A mulher de Cláudio aproximou-se dele e lhe deu um tapa no rosto. Com muita raiva ela disse: –Fala seu maldito que você está amando outra!
-Cláudio enraivecido tomou a mulher pela mão, quase a arrastando, a levou para o elevador. –Onde você está me levando, Cláudio? –Você não quer conhecer a mulher por quem eu estou apaixonado? Eu vou apresentá-la. –Já na garagem, Cláudio abriu a porta do carro e disse para a mulher, olhando-a de uma maneira estranha. –Entra, antes que eu me arrependa! A mulher sentou-se ao lado de Cláudio e não parou de soluçar, até chegarem próximo á padaria. Cláudio estacionou o carro e disse para sua esposa, abrindo a porta. –Vamos, saia! Precisamos andar um pouco.
Depois de mais de vinte minutos, andando pelas ruas próximas à padaria, Cláudio ouviu alguém chamando-o. –Tio Cláudio, que bom te vê! Fiquei um tempão hoje lá na esquina te esperando. Eu precisava fala com você. –Claudinha veio correndo e atirou-se nos braços de Cláudio, abraçando-o como uma filha abraça um pai, que esteve ausente por alguns dias. Ele levantou-se, lentamente, segurando a mão da menina e disse: –Wanda, essa é a mulher por quem você me esbofeteou. Essa é Cláudia, a menina que fez mudar meu comportamento, por quem eu tenho perdido o sono, o apetite. –Olhando para Claudinha disse: –Mas, por que você queria tanto falar comigo? –Com os olhos cheios de lágrimas, olhando diretamente nos olhos de Cláudio, disse-lhe: –Minha mãe foi atropelada ontem. Ela estava bêbada e foi atravessa a rua e morreu atropelada. Agora eu quero mora com você. Posso tio Cláudio? Posso? –Cláudio olhou para Wanda, com os olhos rasos de lágrimas e disse-lhe: –Querida, ela pode morar conosco, não pode? –Wanda vendo seu marido, abraçado àquela garotinha, imunda, maltrapilha. Com o nariz escorrendo e com lágrimas rolando pelas faces, mas, mesmo assim, mantendo um sorriso nos lábios. Wanda, olhando-o bem nos olhos, disse para o marido, abrindo a porta do carro. –Vamos, entra antes que eu me arrependa!
Ester Machado Endo.