## o bilhete ##

Para a garota mais linda da festa.

Assim dizia o bilhete, entregue por uma senhora de rabo-de-cavalo, loira, com vestido xadrez azul, branco e vermelho, laçarote laranja na cintura. Pintas pretas nas maçãs do rosto e um sorriso de quem estava se divertindo muito com aquilo.

Sem graça, recebi o que me entregava. Cara de boba, de quem não sabia do que se tratava. Tímida, olhava sem graça e discretamente por toda a festa, tentando achar o dono do bilhete, cuja letra, num bastão irregular e talvez um pouco tremida, despertou curiosidade. Não por acaso.

Ao término da quadrilha, descansando perto da barraca de milho verde, avistei de longe um matuto. Não fosse os meus 14 anos na época, o acharia um pouquinho com cara de bobo, ou seria o bigode feito à lápis o responsável por essa impressão? Não sei, mas, tirando o bigode, estava tudo certo.

Não era alto, talvez um pouco maior do que eu. Calça jeans apertada (era moda, eu acho, rs), camisa xadrez (óbvio), preta e branca, botas pretas e um cinto largo preto. No alto da cabeça o velho chapéu de palha atarracado, que levantou com uma das mãos quando viu que meus olhos estavam em sua direção (pura distração, rs). Cara convencido, pensei.

As amigas, no entanto, me carregaram para o salão, puxando pelas mãos para que eu pudesse ver o forró. Mentira, queriam me apresentar a um amigo, que queria me conhecer. Fui achando que, claro, seria ele. Quem mais?

Minha cara de decepção deve ter atingido o rapaz bem no meio do peito. Não era ele. Era um homem já, pelo menos para mim, uns cinco anos mais velho do que eu e bigodes de verdade.

Como algo combinado, me deixaram com ele dizendo que iriam comprar refrigerante. Sem graça e chateada com a decepção, respondi algumas perguntas com má vontade e sorriso bobo (talvez de uns doze anos).

Onde você estuda, nunca te vi por aqui, mora onde, você é muito bonita, affffffffff, nem nessa idade eu tinha paciência para esse tipo de cantada!

Já não conseguindo controlar o total desinteresse pela conversa, pedi licença e disse que ia ao banheiro (fiquei feliz com minha astúcia!).

Nem quis procurar as meninas mais, tamanha minha raiva pelo que fizeram. Passeei pela festa, comprei milho sem vontade, atirei com espingarda par aganhar um urso rosa bebê sem graça, que dei à primeira garota que vi e fui sentar perto da piscina do clube. No fundo estava triste pelo rapaz com cara de bobo ter sumido.

Foi então que me chegou às mãos o tal bilhete. À medida que a senhora se afastava eu o procurava, na certeza de que, daquela vez, tinha que ser ele, pois fora o único na festa que realmente olhei, com talvez, meias segundas intenções. Continuei sentada no banco para não demonstrar qualquer espécie de ansiedade. Após alguns minutos (que duraram uma eternidade), escutei um boa noite. Ele estava parado atrás de mim, talvez se divertindo com a minha falsa despreocupação e curiosidade.

Minhas pernas tremeram quando olhei. Era ele! Perguntou se podia me fazer companhia (que pergunta!). Ao invés do claro que sim, que lógico, não disse, falei, pode, claro.

Gostou do bilhete? Ah, foi você? O que você acha? Não sabia quem tinha sido. Sabia sim.

Rápido diálogo antes do beijo, que, na época, me pareceu um ato sexual!

Taciana Valença

TACIANA VALENÇA
Enviado por TACIANA VALENÇA em 24/06/2017
Código do texto: T6036251
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