O caso da vassoura

Nunca me esqueci daquele episódio longínguo da minha existência. Talvez por envolver uma senhora, cuja história presenciei o suficiente para dar-lhe os créditos de uma boa mulher.

Era eu muito pequeno e não direi fosse menino comportado. Posto que tímido, não fugia aos embates de rua e algumas vezes cheguei em casa com pequenos danos corporais. Éramos pobres e vivíamos do salário de meu pai, ajudado por minha mãe – sempre parcimoniosa nos gastos.

Não tínhamos luxos. Geladeira, televisão e vitrola compunham nosso arsenal de sofisticação na rua C – na época que agora relato a rua ainda não era Fausto Machado. A casa era pequena, o 238, que – com os anos e a força do trabalho – transformou-se num sobrado grande, com terraço e vista bonita para a cidade.

Era eu pequeno e frágil; talvez tivesse uns 12 anos e passeava no jardim da casa, quando fui provocado por um passante, na verdade, meu conhecido. O jovem era negro, mais velho, bem maior do que eu, um verdadeiro Golias perto de mim. Com dentes brancos e vistosos, meu detrator sorriu e soltou alto o apelido que me desgastava: - Tatinate, Tatinate... E ria-se do meu desconforto e fraqueza.

Rapidamente, tomei uma providência. Corri à cozinha e peguei da primeira arma que encontrei – uma vassoura de pelo, a qual chamávamos de vassoura de cabelo. Tinha um cabo vermelho, delicado e leve, que usávamos para varrer os cômodos taqueados. Era uma vassoura mais cara. E foi com ela que parti para o ato de desagravo.

Jorge, esse era o nome do meu oponente, me viu armado e não recuou centímetro, preferindo atacar de Tatinate, Tatinate. Dei-lhe, então, o golpe que eu queria imobilizador de língua. Um muro baixo nos separava, mas Jorge – com sua mão enorme – colheu o golpe e apoderou-se da vassoura, levando-a com ele. Um desastre...

Entrei desolado. Era dia de faxina. Certamente mamãe precisaria da vassoura ou mesmo me incumbiria da varrição e eu não sabia o que dizer. Como explicar que fora provocado? Além do mais, tinha eu lá meus senões no currículo.

Inquieto e triste, eu aguardava o depoimento, que certamente me desgastaria, quando surge um chamado salvador. Era dona Amália, nossa vizinha, trazendo a valiosa vassoura. Morando mais acima, ela acompanhou tudo e resgatou, na casa do meu oponente, a minha ferramenta, contando à mãe dele e depois à minha tudo o que ocorrera. Ah, minha salvadora...

Anos convivi com dona Amália. Cheguei a dividir com ela um pouco dos conhecimentos que eu adquiria no colégio. E ela repassava tudo, muito direitinho, para os filhos menores. Um dia ela ficou doente, teve lá seus padecimentos, de que não quero falar. Prefiro lembrá-la em ação, chegando da fábrica, ensinando os filhos e me salvando.