Gilson e a professora

Gilson foi meu colega desde a sétima série. Ele se destacava em meio a maioria de nós. Era pelo menos 30 centímetros mais alto que qualquer menino da nossa idade. Além disso, era aquele gordo forte. Ágil, jogava futebol, corria como qualquer um dos colegas, mas pesava quase o dobro de todo mundo e mais forte que qualquer um de nós.

No segundo ano do ensino médio, exatamente aquele momento que a maioria estava deixando de ser tratado como criança e passando a ser homens. Essa posição era reforçada pelo fato de que estudávamos no turno da noite, porque todos trabalhávamos durante o dia, ou seja, comparado com outros de nossa idade, tínhamos mais responsabilidade e por teoria éramos mais maduros.

As professoras nos tratavam diferente. Alguns dos colegas da turma porque já eram pessoas com bem mais idade e nós porque por mais que estivéssemos na faixa etária adequada para aquela série, tínhamos responsabilidade que outros meninos e meninas da nossa idade ainda não tinham.

Gilson era um aluno difícil. Primeiro, porque tinha a incrível capacidade de discordar de todos. Era pós 11 de setembro e enquanto todos nos solidarizamos com os americanos mortos na queda dos torres, ele esbravejava e dizia que devíamos ver quantos árabes pobres eram mortos nas guerras americanas.

Enquanto todos nós éramos gremistas e colorados, Gilson, vestia uma camisa verde do Juventude e se dizia alviverde. Enquanto éramos católicos ou evangélicos, ele se descrevia como Budista. Gilson era do contra e contra tudo. Tinha temperamento difícil. Dizia palavrão o tempo todo e estava em 95% do tempo de mau-humor.

Tudo aconteceu com o advento cada vez mais presente da informática. Poucos de nós tínhamos acesso a computadores. Eu, por nessa época já trabalhar no rádio era um desses. Gilson, trabalhador em uma borracharia era da turma dos que não tinha.

Fomos todos para o laboratório de informática para fazer uma pesquisa sobre o filósofo grego Platão. A professora Nequinha era a nossa orientadora na pesquisa. Como alguns sabiam o que fazer e outros não, fomos divididos em duplas, até para que todos tivessem acesso a uma máquina.

Só para abrir um parêntese, Platão foi um dos primeiros pensadores a personificar a figura do professor. Na sua obra “A República”, alertava para a importância do papel do professor na formação do cidadão.

Como tudo aquilo era novidade para ele, Gilson, perguntava tudo e eu pacientemente lhe mostrava e assim seguíamos por tudo quanto é espaço da internet e do computador. Quando acessamos uma página com vídeos de esporte, Gilson não quis mais sair.

A professora Nequinha, era pequena, magra frágil e de voz calma. Paciente, ela era querida de todos os alunos, inclusive de Gilson, mas naquele dia tudo mudaria. Ela pediu umas cinco vezes para que nós saíssemos dos vídeos de gols do Grêmio e voltássemos para pesquisa. Gilson não atendeu. Olhava para aquela infinidade de gols, como um menino olha a Playboy pela primeira vez.

Na sexta vez que a professora nos advertiu Gilson respondeu alguma coisa. Ela voltou e chamou a atenção dele, depois se apossou do mouse e fechou a página que estávamos olhando e então ele automaticamente repetiu um nome feio. Nem penso que ele tivesse a intenção de dirigir a ela, mas ao fato acontecido. Sabe aqueles palavrões que nos escapam com a frustração, pois, então, foi mais ou menos isso que aconteceu, mas a professora estava perto demais.

Ela gritou com ele. Foi a primeira e ultima vez que vi a professor Nequinha gritar. Gilson respondeu, porque ele era respondão por natureza, e então ela, furiosa, o pegou pela orelha e o levou para a diretoria.

A cena é indescritível. Gilson era muito maior que a professora. Era mais forte e poderia escapar daquela situação quando quisesse. Ela andava nas pontas dos pés para poder alcançar na orelha dele. Gilson poderia fazer o quisesse para escapar, mas ele não fez nada. Pelo contrário, ele abaixou-se para facilitar o trabalho dela.

Gilson não tomou a atitude de submissão porque não dava importância para aquilo, mas porque era uma professora que o estava conduzindo; e ele, assim como eu, aprendeu que o mínimo que você deve a um professor é respeito. Eles são autoridades.

Por isso, não há o que justifique o que aconteceu com a professora agredida que virou notícia nacional nessa semana. Independente das ideologias políticas e das apologias que ela possa ter feito no facebook, nada se compara a ruptura da moralidade de um professor agredido por aluno. Dentro da escola, ela está investida da institucionalização do professor descritor por Platão e quando esse é vítima de um ataque violento é como se todos nós, fossemos ao mesmo tempo, vítima e agressor.

Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 24/08/2017
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