Mulher Pilão

Ela chegou com lágrimas nos olhos e, no rosto, uma expressão de sofrimento e infantilidade. Suas palavras eram acompanhadas por movimentos de cabeça que normalmente indicam recusa: “não sou mais suficiente, não sou mais suficiente pra ser mulher”.

Após cada frase seus lábios balbuciavam: tcu tcu, tcu tcu. “Não sou mais, suficiente mais não pra sexo: tcu tcu, tcu tcu. Pra prole já não sirvo, pra sexo já não sou suficiente. E meu marido, doutora, quer sempre. Cinco vezes numa só noite. Mas eu não. Já não gosto. Não gozo: tcu tcu. Não sou mais.”

A doutora engolia em seco. Não se sabe se o que a incomodava eram as palavras ou aquela expressão ambígua, ou aqueles olhos grandes encravados num rosto tão pequeno. Pendente de um corpo tão frágil: não sou suficiente.

- Não mais, ou não sempre? pergunta a doutora.

- Não sei, sei não.

Havia ali uma mulher que falava de seu vazio, de seu buraco: e meu marido, doutora, quer sempre. Cinco vezes numa só noite. A doutora ouvia. Quem era este ser que tanto falava? Quem era este outro, que tanto ouvia? Este outro não podia mais ver ali um corpo, não mais um rosto pendente. Somente um buraco impenetrável: aquele olhar...

“Quero me separar doutora. Não sou suficiente não. E meu marido, doutora, quer sempre. Cinco vezes numa só noite. E meu marido, doutora, é avantajado. Um palmo e meio. Avantajado, doutora. Mas eu não. Não mais. Desde aquela operação doutora, não sou mais, não posso mais... Não, tcu tcu. Suficiente... Sufi...Sufi...Ciente. Não. Mais...Sufi...Tcu tcu. Doutora. Sufi. Sufi. Quero me... Tcu tcu. Mais. ...Separar, doutora.”

- Como? Pergunta a doutora, distraída.

Aquele rosto ambíguo continua a emitir sons, que para a doutora faziam já outro sentido. Como?

“ Me separar doutora. Meu marido quer sempre. Cinco vezes, numa só noite. E ele, doutora, é avantajado, um palmo e meio mais ou menos. Avantajado, doutora. É sim. Mas eu não.Não gosto, não gozo. Me sinto um pilão. Um pilão, doutora.”

- Como?

- Pilão, doutora.

Rocio Novaes
Enviado por Rocio Novaes em 08/03/2005
Código do texto: T6142