NOVENA

N O V E N A

Naquela quinta-feira do ano de 1952, mês de setembro, na fazenda Baía, o movimento era intenso, desde o domingo anterior, quando a dona Ceci, minha mãe, foi a Calambau assistir à missa e comprar materiais para enfeitar a fazenda que receberia a imagem de N.S. das Graças. A imagem viria da fazenda Ferraz, do Sr. José Epifânio, ficaria na fazenda Baía por nove dias, até que terminasse a novena.

Desde cedo, naquela quinta feira, Zé Carneiro, meu pai, já comandava os homens encarregados da limpeza do terreiro, e os que cortavam bambus dos quais seriam feitos os arcos para ornamentar o caminho de acesso à fazenda. Dona Ceci, também, providenciava a construção do altar onde seria colocada a Santa.

Ali pelas quatro horas, as pessoas da zona rural "do Baía" ( é assim que se diz na região) e do Quenta Sol, rumariam para a ponte de arame, à espera da santa que viria do outro lado do rio, trazida pelo pessoal do Ferraz. O local da ponte é o mesmo até hoje. A imagem foi levada em procissão, com o pessoal entoando cânticos religiosos à Virgem Maria, tais como: A treze de maio na Cova da Iria; Louvando a Maria; No Céu eu hei de ver Maria; Maria Virgem mãe imaculada e várias outras.

A procissão, em duas alas, caminhava lentamente, percorrendo os dois quilômetros até à fazenda Baía. Vários arcos de bambus foram erguidos pelo caminho, no trajeto da procissão. Atrás do andor, vinha o casal José Carneiro e Ceci, e os seus filhos.Na proximidade da fazenda já se ouvia o pipocar dos foguetes soltados pelo José de Jovita. Quando a procissão chegou no terreiro todos aplaudiam e davam vivas à santa.

A imagem foi retirada do andor e colocada no altar preparado em frente à fazenda.

Seguiu-se a reza do terço e a ladainha de Nossa Senhora, tudo comandado pela dona da casa. Novos cânticos foram entoados.

No final da reza o povo, em fila, beijava a fita colocada aos pés da imagem, e depositava no altar uma oferenda em dinheiro, geralmente moedas.O cântico agora era : ”Beijemos, beijemos , em tão boa hora, beijemos Jesus e Nossa Senhora...”.

Após a novena, era a hora do leilão, gritado pelo José Marçal. Eram leiloados bolos, queijos, ovos, rapaduras e vários outros produtos, até cálice de licor de jabuticaba, feito pela minha mãe. Toda a renda das novenas era revertida para a construção da nova Matriz que estava se iniciando, conforme orientação do Pároco Pe. José Grossi.

Na manhã seguinte à chegada da Santa, como havia vários foguetes espalhados pelo terreiro, resolvi catá-los. Foguetes já soltos. Levei-os para o fogão onde a cozinheira Efigênia Bananal estava cozinhando feijão em uma grande panela de pedra.Tão logo joguei os foguetes no fogo, houve uma tremenda explosão e tudo voou pelos ares: panela, feijão, lenha, brasa...Por sorte, nem eu nem a cozinheira fomos atingidos. A minha mãe ao ouvir a explosão não conteve o grito: Sagrado Coração de Jesus! e correu para a cozinha para ver o que estava acontecendo.

Alguns foguetes negados, isto é, que não explodiram quando soltos, foram os causadores da explosão. No fim , as minhas orelhas é que pagaram o pato, ou melhor, o feijão...

Nos oito dias seguintes os mesmos rituais da novena foram seguidos, sendo que no último dia, na parte da manhã, foi celebrada a tradicional missa no Cruzeiro que ficava no morro que fazia a divisa com o Monteiro (outra zona rural). Para celebrar a missa o Padre Grossi viera de Calambau na véspera, dormindo na fazenda. Eu fui o “coroinha” nessa missa.

Seguindo o roteiro já estabelecido, a santa foi para a casa da Dona Tereza Praia, depois para a Fazenda Barra Alegre, de propriedade do Senhor Vicente Faria e Dona Júlia. Depois, a imagem seguiria para a Fazenda Quenta Sol do senhor Antônio Custódio e dona Guilhermina.

As novenas movimentavam todas as comunidades vizinhas, fazendo com que esse movimento de fé servisse, também, para um melhor intercâmbio entre as famílias.

Murilo Vidigal Carneiro

Calambau, 16 de outubro de 2017

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Enviado por murilo de calambau em 16/10/2017
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