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PEDRA DA INCERTEZA
Ysolda Cabral 


 
Sempre confiei em minha cabeça mais que em qualquer outra. Não sei se por ter uma cabeça boa mesmo, ou se por força da minha profissão. O fato é que nunca precisei muito recorrer à agenda para lembrar os compromissos diários. Claro que consultava! Contudo, se não a tivesse por perto, não me atrapalharia de jeito algum. Além de uma cabeça boa, o senso de responsabilidade, extremamente apurado, não me deixaria esquecer absolutamente nada.

O Tempo passa e vai levando uma porção de coisas da gente. E, mesmo que ainda não tenha levado muito de mim, começo a desconfiar da minha cabeça e isso tem me deixado acabrunhada. - Se não o tempo, o fato...

E o fato é que hoje, bem no meio do caminho, surgiu uma pedra: a pedra da incerteza. - Teria eu desligado o ferro, após passar a blusa que vestia? -  A única alternativa era voltar para casa e verificar, mesmo isso significando um transtorno enorme no meu dia mal começado.

Bom, ao chegar atrasada no trabalho, depois de contar o sucedido aos colegas, todo mundo queria saber somente uma coisa: o ferro estava ligado ou desligado?

Foi quando comecei a refletir que, independente de como ele estivesse, minha cabeça já não estava tão boa! Concluí. Pois, se, apenas se, o ferro estivesse ligado; eu havia esquecido de desligar. E, se tivesse desligado, eu havia esquecido que fiz isso. Em ambos os casos eu tinha motivo para me preocupar, apesar de ter lembrado de usar o ferro, e de lembrar que não lembrava de tê-lo deixado ligado, ou desligado. Isso significava que, pelo menos, o senso de responsabilidade ainda estava intacto. Senti certo alento, mas não me livrei da preocupação...

Eis mais um aspecto da chegada da ''boa idade''! Se não fosse por ela, um acontecimento desses seria perfeitamente normal, principalmente nos dias de hoje que os jovens esquecem até deles mesmos.

- Melhor marcar logo uma consulta com um especialista, antes que eu termine como a mãe da Danny, minha colega de trabalho, que, ontem mesmo, interrompeu uma reunião de diretoria, dizendo ser assunto de máxima urgência e importância, para saber da filha se no capítulo da novela ''A Força do Querer'' a psicopata Irene, personagem da Débora Falabella, havia mesmo morrido.

- Eu posso com uma coisa dessas? 
 
  Vou correr para o médico.
 
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Praia de Candeias-PE
19.10.2017
Apenas Ysolda

Uma pessoa que chora e ri de alegria,
tristeza, ou saudade, sem pudor.
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