JANELA FECHADA

JANELA FECHADA

Meus olhos, no reflexo da vidraça do quarto, fixavam-me insistentes. De repente a realidade bateu forte como a luz de um sol estridentemente claro.

Eu estava só. E digo que não era uma solidão de pessoas, mas solidão de coisas vividas que não vivo mais.

Senti uma sensação aterradora. Sabe aquela sensação de soltura no mundo? Soltura feito balão de hidrogênio, vagarosamente subindo, subindo, subindo… E desaparecendo. Na imensidão azul.

O que me parecia? Algo estranho que me apertava. Que me diminuía no espaço que antes era compacto de pessoas próximas. E agora se apresentava tão amplo que me dava um quase medo.

Sabe a sensação que a formiga deve ter em relação ao mundo que a cerca? A pisada de uma sola de sapato é como um teto enorme caindo sobre si. Tipo um viaduto que desaba em cima dos carros e nem se tem tempo pra saber o que está acontecendo. E se livrar.

Sim. Eu nem percebi que as coisas mudavam. Que as pessoas se alastravam em outros rumos. Outras experiências especificamente individuais.

Nem me dei conta de quando isso já saia da minha conta. Não havia prejuízo evidente. Se é que se pode pensar em perdas.

E de repente me bateu uma desimportância assustadora. Não era mais importante para as pessoas que dei tanta importância.

Estava eu me reportando ao passado? Faço esforços, quase sobrenaturais, para ficar no aqui e no agora. Isto não podia estar acontecendo. Mas estava.

Meu rosto se transfigurava anuviado pelas sucessivas faces das pessoas que me eram significativas.

Ela. Minha mãe. Timidamente meus olhos, sobrancelhas e nariz dançavam no pseudo-espelho da janela. E se afeiçoavam nos traços de minha mãe. Traços e murmúrios da mente se mesclavam em lembranças.

Que diria ela ao me ver hoje? Com esta vida em que ela nada atuava? Conversaríamos, talvez. Teríamos mais sobre o quê falar. Ou não. Não sei.

De fato era o que aquele reflexo estava querendo me dizer. Que mais de dez anos se passaram desde que ela se ausentou de vez. E que apenas passaram. Sem que me desse por isso. Sem culpas. Sem remorsos. Pior. Sem nada! Acabou. Assim, no tempo.

E depois dela vieram muitos outros semblantes familiares. Um a um, com seus recados esgarçados no tecido do tempo, surgiam.

Precisavam apenas do vidro daquela janela fechada.

E, triste, não precisavam mais de mim.

Fechei a cortina na minha cara!

Mírian Cerqueira Leite

Mileite
Enviado por Mileite em 09/12/2017
Código do texto: T6194346
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