UMA ESPÉCIE DE CRÔNICA DE NATAL

eu não quero parecer grosseiro, nem parecer o que não sou, eu não sou ateu, eu sou cristão mas não sou burro, animal todos nós somos, burros puxam carga então eu sou burro, sou burro mas não sou asno, asno e burro são diferentes no pasto mas quando algum sabichão quer corrigir o erro do outro confunde as coisas para parecer mais complicado do que cada coisa realmente é, eu sou um homem complicado, fui complicando no caminho como quem ajunta coisas que brilham ou que foram ofuscadas e precisam de polimento, guardei por pouco tempo a imagem do Papai Noel porque me deram antes a imagem de Deus como sendo um velho de barba branca, sobrepus os dois e não fiquei com nenhum, guardei as lembranças do presépio que minha mãe ainda monta, na infância minha casa era a Terra Santa mas tínhamos conflitos que não podiam ser nomeados, depois Belém virou Meca que virou Istambul que virou Jerusalém, que voltou a ser Belém para ancorar no Tejo e se tornar Lisboa, nasci em Franca mas é como se fosse ter nascido na Noruega, salvo a calor o natal me persegue descrente, é que juntei mais coisas e as religiões como são filtradas para a massa que também é chamada de povo não me convencem há muito tempo, não porque tenha lido Marx, Freud, Darwin e Nietzsche mas porque em casa desde menino eu sempre tive dúvidas e perguntei, claro que fui Menino Jesus na manjedoura, também fui Adão no paraíso, eu acordei dentro da vida como se estivesse sonhando numa noite em que a Morte se apresentou mudando quem eu era e me tornando quem eu nunca seria completamente, dizem que uma pessoa nasce quando ela se pergunta QUEM SOU pela primeira vez, eu venho renascendo, e juntando coisas e ideias que somadas se elevam à altura de um Everest, chamo isso o "pico da pronúncia" uma desgraça alcançada que as vezes alivia, a verdade é que a filosofia arruinou minha vida mas quando penso demais, a ponto de cometer todos os pecados capitais, beijo a boca de um homem simples e sinto minha língua roçar a língua da simplicidade astronômica e me sinto feliz por um tempo, a felicidade não dura muito, todos sabem, quando escrevo sobre o espírito do natal evoco o antiquíssimo espirito do natal, não aquele que migrou dos polos sombrios e gélidos, não o natal de Roma, o Natal dos presépios que minha mãe adora, eu evoco o espírito que pousara sobre as primeiras águas que trouxeram a linguagem dos plânctons e bactérias de outro espaço, eu acredito na vida pós morte só não sei como se passa consciente para o outro lado, o natal está chegando, sinto calafrios, me dissipo, evaporo, e continuo juntando coisas que parecem dispersas mas que no amontado do pico da pronúncia fazem sentido, por um tempo, tudo vai por um tempo, dizem que Salomão disse que cada coisa tem um tempo de ser, eu já passo, mas passo contente contando mais um natal porque vejo passarem os mais velhos antes de mim e os recém chegados saem das fraudas, se burros e asnos usassem fraudas cagariam nelas e sua mães burras, asnos no feminino, se alegrariam em ensinar sobre o espírito do natal montando presépios, eu me alegro com o natal mas é difícil notar porque demora, antes preciso tirar dos escombros das ideias empilhadas pelos séculos e séculos que cobrem a verdade, e qual é a verdade? na verdade, a verdade não importa, juro, porque depois de mim outros natais virão e a cada dia menos pessoas irão notar a falta do sujeito que guarda tanto para ter o que dispor escrevendo sem pontos finais para que a leitura seja mais complicada, uma espécie de vingança, uma vingança cristã, claro, porque eu sou cristão embora não seja burro. como disse quando entrei nessa caixa de comunicação "eu não quero parecer grosseiro, nem parecer o que não sou", eu não guardo mágoa por muito tempo só rancor que é coisa diferente e move da mesma forma a ira no meu estômago, quando chegar o natal minha árvore fará sentido, será como uma árvore da vida, mas o leitor amigo já não estará aqui para receber meus sinceros votos de um "feliz natal".

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 09/12/2017
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