UMA AMIGA DE MINHA MÃE

Dinah, minha mãe, era uma pessoa divertida. Foi atriz e trabalhou na companhia Teatral de Alda Garrido, ao lado da mãe, Antônia Marzullo, e da irmã, Dinorah Marzullo Pêra. Estava sempre rindo de tudo. Talvez até da sua própria desgraça. Enfim, foram anos de convivência com meu pai, o humorista Nestor Tangerini. Era espirituosa e piadista. Mas quando estava de mau humor, jogava uma bomba atônica.

Havia, na rua onde morávamos, uma vizinha que falava tudo errado. Minha mãe a ouvia com seriedade e, às gargalhadas, em casa, contava tudo para mim. Coisas como “sacada dentária”, [uma varanda dentárias com muitas flores?] ao invés de arcada dentária.

Um dia, D. Gertrudes veio com essa:

- D. Dinah, meu marido passou muito mal na noite de ontem.

E minha mãe:

- E o que ele teve?

E D. Gertrudes:

- Ele está com “fimose nos pulmões”.

Minha mãe e eu, em casa, na hora do café, meditamos sobre o assunto e chegamos à conclusão de que o Sr. Alfredo estava com “enfisema pulmonar”.

Numa outra ocasião, veio D. Gertrudes falar que estava com um problema no “rabanete” e não conseguia calçar seus sapatos.

Minha mãe e eu, meditamos, novamente, sobre a fala desta senhora e chegamos à conclusão de que ela estava mesmo com um problema no joanete.

Há outras pérolas que não me vêm à mente, no momento.

Hoje, lembrando desses episódios engraçados, indago-me como certas pessoas, dentro de uma sociedade cercada de meios de comunicação, não consegue aprender com outros falantes considerados cultos e sintonizados com o que está sendo veiculado a todo instante.

Um outro episódio engraçado aconteceu com D. Dinah:

Minha mãe, certa vez, foi pagar uma conta de incêndio no antigo BANERJ, Banco do Estado do Rio de Janeiro, hoje, Itaú.

Quando estava dentro do banco, descobriu que havia deixado seus óculos em casa.

À bancária do guichê, D. Dinah deixou bem claro que não era analfabeta e que havia esquecido os óculos em casa. E, como não podia escrever, pediu que a bancária escrevesse na [antiga] conta: “Taxa de extinção de incêndio”.

A moça, tenho certeza, pensou que D. Dinah fosse analfabeta. Escreveu algo rápido na conta, fez o pagamento e devolveu-lhe, a ela, a referida conta paga.

Depois, com a conta na mão, minha mãe apertou os olhos e leu o que o que a bancária havia escrito. E reclamou:

Minha jovem, é taxa de “Extinção de incêndio”, e não “Taxa de extensão de incêndio”. Eu não quero que o fogo se alastre.

Dinah Marzullo Tangerini, minha mãe, era uma pessoa simples, delicada e diplomas. Nem mesmo chegou a terminar o antigo primário. Mas era autodidata. Aprendeu a ler e escrever basicamente sozinha, ainda que fosse casada com um gramático. Lia muito. Lia grandes autores. Gostava da boa música. Gostava de teatro. E lia o Jornal do Brasil todos os dias. Lia a coluna de Carlos Drummond de Andrade, e, depois, a de Affonso Romano de Sant´Anna. Chamava minha atenção quando eu deixava escapar um assunto de suma importância no jornal. Não tinha diploma algum, como já disse, mas falava e escrevia na norma culta.

Deixo aqui um exemplo de que a intelectualidade e a inteligência independem de diplomas e medalhas. E quero, pois, homenagear minha mãe, minha primeira crítica literária. Ela era a primeira pessoa a ler meus textos literários. Opinava aqui e ali. Declamadora de poesias, e cantora, dentro de casa, foi ela quem me fez amar a literatura e a música.

Agradecido, minha querida mãe!

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 02/01/2018
Reeditado em 02/01/2018
Código do texto: T6214701
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