Contemplai as aves do céu

         As aves de arribação, quando voam em direção ao Norte, arribam ao Norte. São milhares  tendo à frente uma delas, com as mesmas cores, com o mesmo canto, com o mesmo desejo e destino; a da frente formando um dos três vértices  do belo triângulo voador. Qualquer movimento à esquerda, todas tendem à esquerda; se à direita, à direita, sem muito distanciamento, numa equilibrada e perfeita forma , sem interesses díspares, sem disparidades individuais, apenas perseverantes na confiança de que seguem ao Norte. O imperativo é coletivo, como também o coletivo é imperativo; todos no caminho, dos últimos ao primeiro pássaro, cooperativamente sem disputa, reinando divino silêncio; não se escuta sequer barulho das asas.
         Não há desistências. Sofrem elas não haver mais, no Sul, água para beber ou comida para comer. Cada uma luta pela sobrevivência, de si e de todas, num só voo, sem ganância, dividindo as vazantes que suficientemente abrigarão os próximos ninhos. Nenhum pio destoante sobre a certeza do que encontrarão. Elas não se enganam. Não enganam como os homens que diriam aos outros  estarem em direção errada ou que, egoisticamente, esconderiam certezas, desestimulando a "ilusão coletiva", os sonhos impossíveis ou, matando esperanças: o Norte não existe.
         Mas há, naquele silêncio, a voz da esperança, da fé de que a estrada, entre as nuvens, é aquela, longe, mas, seguramente, é aquele o caminho que as leva ao bem comum. Homens, em momentos de sabedoria, descreveram a poesia dessa beleza. Ainda mais o sábio dos sábios fez outros escreverem sobre a convicção de que o Norte existe e de que, com esforço individual e coletivo, sem autodestruição, dar-se-á a evolução: cada um por todos e todos por cada um. Assim, como as avoantes, altivamente voaremos. Teríamos mais valor do que elas? Por que voar sozinho? Desunir é subversão: "Contemplai as aves do céu"... (Mt 6, 24 - 33).