REFLETINDO SOBRE A MORTE

Estava pensando sobre o vão que separa a vida da morte. Temos o hábito de nos referir a alguém que morreu colocando o verbo no passado. Assim fulano foi um homem honesto, sicrana tinha um coração do tamanho do mundo. E por aí vai. Parece que a morte faz mais do que apodrecer nossa carne. Ela dizima aquilo que levamos anos pra construir. Quando o verbo fica no passado, também manda pro passado méritos, referências, legados. Eu sei que morreu já era, como se diz. Eu sei que ninguém é eterno, que nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. Mas, caramba, mesmo enterrado a 7 palmos abaixo da terra (curiosa essa medida), não deixamos de ser bons, safados, solidários, crápulas, santos, amorosos, sádicos, legais ou exemplares filhos-da-puta. OK, o coração parou de bater, o sangue empacou nas veias, o cérebro travou, enfim, deixamos de funcionar daquele jeito original, mas tudo aquilo que ralamos tanto pra fazer não merece o rótulo de passado. Meu pai morreu em 2002 e, até hoje, penso nele como se fosse todos os sábados almoçar em casa, como fazia sempre e nós todos adorávamos. Penso nele no presente, do meu lado, nas coisas que fizemos juntos, o tanto que me fez ver e aprender. Faço o maior esforço pra manter tudo isso no meu presente. Eu sei que o tempo tem o cruel ofício de ir apagando, uma a uma, as coisas vividas, sentidas, compartilhadas. Eu sei que o tempo, desenfreado como ele só, vai pondo novos figurantes nessa alegoria batizada de vida. E aquelas outras coisas, que pareciam gigantemente eternas, se apequenarão pouco a pouco. Mas, apesar disso, me reservo o direito de pensar naqueles queridos que bateram as botas usando verbos no presente, porque pra mim estão mais presentes do que nunca. Por isso que evito ir ao cemitério. Porque, no fundo, pra mim nenhum deles está lá de fato.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 10/02/2018
Reeditado em 10/02/2018
Código do texto: T6249983
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