Uma manhã qualquer

Hoje eu até tive vontade de escrever alguma coisa, qualquer coisa que não tivesse o foco na política brasileira e, muito menos, nos problemas que afligem a sociedade e que causam transtornos e tragédias em alguns casos. Pensei em divagar sobre a chuva, que ontem caiu forte fazendo das ruas verdadeiros rios de água corrente. Talvez, falar do céu escuro com nuvens negras transformando a claridade do dia em negritude noturna com todos os mais de 100 tons de cinza.

Até pensei... e fiquei prostrado na janela olhando o sol nascer no leste, rompendo as suaves nuvens que impediam a passagem dos raios solares, brancos metálicos com fieiras de dourado. Fiquei até me perder de meus próprios pensamentos e me encontrar onde não gosto de estar, nunca. Mas, lá estava eu entrando pé ante pé no labirinto da dúvida, da incerteza, da misteriosa sensação de que nada vale a pena, nem mesmo quando a alma não é pequena ou tão grande como dizem ser as almas dos poetas.

Um caminho sombrio, cheio de esquisitices mentais e repleto de monstros imaginários que assustam pelo simples saber que não existem, mas que nos acompanham sempre que entramos nessa zona litigiosa entre a realidade e a fantasia. São perigos que carregamos vida à fora, mesmo sem saber que os estamos levando dia após dia. Estão lá e por lá ficarão, acredito eu, até quando não mais estivermos aqui. São os cães negros a rosnar em nossas almas suas fúrias divinas de horror e pecado.

Uma coisa é certa: quando se entra nessa zona de desconforto é como mergulhar num gigantesco e monumental caleidoscópio de emoções inimagináveis e insuportáveis. A cada brilho, cada losango, cada espelho, cada queda, a mente apavora e o coração acelera. Não há como retornar por que se quer, só se volta quando a viagem termina e não nos compete determinar o tempo que ela levara e nos levará ao mais radical de todos os sentimentos que pode habitar uma alma humana: a solidão.

Não há um porto seguro nessa jornada mental. Não há ponto final nesse torvelinho de sensações desconfortáveis. Não há como não se deixar conduzir pela emoção que nos aprisiona, nos rouba a luz, nos torna frágeis pelo mesmo motivo que tentamos nos tornar fortes, sempre e eternamente. Não há caminho de volta, não há retorno à frente, não há sentido contrário a direção a que nos leva esse desespero insano de negros cães ladrando dentro de nossa alma.

Tudo é escuro e tenebroso. Tudo é calmo e assustador. Tudo é parte daquilo que alimentamos em nossa existência. Tudo é o nada em pura essência de martírio e penar. Nada é tudo aquilo que nos joga sem piedade na servidão da alma amargurada e do coração sentido. Viver não é ter esperança de dias melhores, de uma vida melhor, de um mundo melhor. Viver é o cárcere dos sentimentos que edificamos com a razão sobre a emoção e que nos faz escravos de um misterioso senhor de todos os desejos e atitudes.

Viver é mais do que estar vivo. É, talvez, acreditar que a vida não é um caminho que escolhemos por vontade própria ou pelo livre arbítrio, mas sim uma trilha pela qual seguimos sem mesmo saber que estamos caminhando sobre as pedras que foram polidas pelas sandálias de nosso inconsciente.

Não façam os negros cães de minha alma rosnarem além da ira que os alimenta.