Um conto de amor

Ele a conheceu há muito tempo. Quando ainda eram duas crianças. Ela mudou-se para a rua dele. Foi amor à primeira vista. Os olhos dela se cruzaram com os dele de forma que ele jamais esqueceria. Ela também se apaixonou, eram novos é verdade, mas estavam apaixonados. Eternos apaixonados na inocência e sinceridade da infância.

O tempo passou, ele ficou amigo dela, mas nunca teve coragem de dizer o que sentia. Para os apaixonados o tempo passa mais rápido. Ele a viu crescer. Testemunhou seu corpo se transformar, muitas vezes suspirou por ela, às vezes até chorou por ela, e chorava ainda mais por sua própria covardia, que o impedia de dizer que a amava, como jamais ninguém a amaria.

Ela começou sair com outros caras. Ele começou a perceber que a estava perdendo. Sabia que precisava falar, ele tinha que dizer, mas não falou. O colegial acabou.

Ele foi para a faculdade de Direito, ela não. Assim os dois corações apaixonados se separaram.

Ele se formou, estudou ainda mais, tornou-se professor universitário, mas apesar da suspeita, dentro dele havia sempre uma falta, um vazio, algo que ele precisava preencher. Um dia voltou para sua cidade. Ela seguia lá, linda, bela, como sempre. Pensou um milhão de vez em dizer que a amava. Falou com ela sobre tudo, menos sobre o que mais importava que era o amor. Perto dela seu coração batia mais forte, suas mãos suavam, sua voz ficava mais fraca e toda a confiança do advogado acostumado a enfrentar turmas cheias de alunos, juízes, promotores e tribunais se esvaia pelos poros abertos de sua alma.

O tempo passou e como tudo na vida as coisas se transformaram. Ele a encontrou novamente em uma cidade onde daria uma palestra, mas agora era tarde demais. Ela estava acompanhada do marido e do filho pequeno. Ela tinha seguido a vida dela e ele a dele, o problema é que sem ela a dele era sem sentido.

O tempo passou, ele casou-se. Teve filhos. Não podia reclamar. Era um homem realizado. Tinha uma família, um bom emprego, tudo o que qualquer ser humano pode querer para si, mas sempre que deitava a cabeça no travesseiro vinha à lembrança de que lhe faltava o mais importante. Faltava ela. O amor nunca vivido.

Sabia em seu íntimo que de todas as mulheres que teve, de todas as bocas que beijou, de todos os corpos que abraçou, a única que lhe fazia falta, era exatamente aquela que nunca conseguiu.

Ele ainda a via em algumas ocasiões especiais. Agora ela não era mais uma menina, mas a beleza seguia intacta. O tempo não tinha lhe feito nenhum mal. No fundo, ele sabia que o tempo era implacável com todos, mas também compreendia que a beleza é relativa aos olhos de quem vê, e os seus olhos, eram de um menino apaixonado.

Então a velhice chegou. O ser humano demora para admitir que ficou velho, que já não é mais a mesma pessoa. Geralmente é preciso que haja um evento em sua vida que mostre o quanto ele perdeu para o seu tempo. No seu caso foi a viúves. A falta da companheira que esteve ao seu lado por quase toda a vida lhe mostrou que já não era mais a mesma pessoa.

Eis então que ele decidiu que se internar em uma casa de repouso. Não queria ser um estorvo para ninguém. Chegou junto a porta do local e numa grande sala haviam diversos idosos. Alguns em círculos conversando, outros fazendo atividades lúdicas, alguns vendo televisão e eis que no outro lado, sentada em uma cadeira olhando para o jardim, estava ela. Ele pôs os olhos nela e não teve dúvidas, era chegada a hora.

Ele deixou a moça que o acompanhava sozinha, atravessou o salão sem tirar os olhos do local onde ela estava e quando se aproximou, ela virou, olhou e riu. Aquele sorriso que ele conhecia tão bem. Ele não se agüentou e gaguejando disse as palavras que tinha guardado para si pela vida toda: “Eu te amo”. Ela levantou e se jogou em seus braços em lágrimas: “Pensei que você nunca fosse dizer.”

Eles viveram o seu amor por dois meses. No final deste período ele perdeu para o tempo. Pouco antes de morrer ele fechou os olhos e agradeceu a Deus. Não pela velhice que ele odiava. Nem pela morte que pairava sorridente sobre ele. Jamais pelo sucesso profissional que teve. Nem pelos filhos que eram seu orgulho. Ele agradeceu, porque apesar de tudo ele morria nos braços do amor e nada na vida ou no exício, vale mais que isso.

Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 19/02/2018
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