Não Mexe Com a Boba

Podia-se ver as cabras pastando do outro lado da cerca. Via-se apenas o pescoço e a cabeça, pois o resto estava emergido no mato molhado. Não havia ventania. O pouco vento que passava era gelado. Se comportava como navalha quando atingia a pele. O dia estava nublado e o céu encoberto pelas brancas nuvens carregadas de garoa. Carolina se encostava na janela derramando o último gole de chá de erva doce pela garganta. Deprimida, como sempre. José não ligara. Estava sempre ocupado de mais. "É o trabalho" dizia. Afastada da cidade, Carolina se limitava a visitá-lo duas vezes na semana, mas nessa não havia ido nenhum dia. Estava preocupada, mas não queria parecer desesperada. "Ele que ligue se quiser me ver" repetia. Lembrava ainda de quando se conheceram. Nova nas redondezas, entre um café e outro, José se aproximara com seu jeito galanteador. Depois que descobrira a verdade ele nunca mais havia se aproximado. Maldito dia em que ela havia aberto as portas do quarto para arejar. Carolina lembra com exatidão a cara estupefata de José ao ver as imagens em preto e branco que cobriam os painéis. Em algumas delas Carolina se alongava em uma barra e em outras contorcia o próprio corpo. Havia fugido do circo com o pouco dinheiro que tinha e ido morar distante. José achou graça. Como contaria a sua família que sua futura mulher tinha no currículo contorcionista. Que piada. Iria vê-lo. Estava decidido e já arrumava as malas. Visita surpresa. Pôs tudo no carro e se apressou em ir a cidade. Duas horas de viagem. Para ela era uma experiência arrebatadora sair da calmaria do campo, nem que fosse por algumas horas. Entrou no primeiro banheiro de bar e tratou de enfiar a roupa elástica. Era de duas cores, rosa e vermelho e acompanhava um chapéu com quatro bolinhas dependuradas como o de um bobo. Ainda caia bem, embora um pouco surrada. Saiu do banheiro orgulhosa. Os clientes sentados faziam piadas, davam risada ou se apavoravam. Ela tratava de manter a pose. Finalmente era seu grande dia. Entrou no carro e sacou o mapa no porta-luvas. Atravessou algumas ruas e vielas até chegar na casa. Era grande e bonita. Possuía um jardim e um parquinho e era rodeada por uma cerca viva verdinha. Desceu do carro e caminhou pela entrada. As crianças estavam na sala, dava pra vê-las brincando. Bateu na janela e acenou. Não conseguiu ouvir, mas sabia que elas haviam dito "oh" de espanto ao vê-la. Correram para outro cômodo e voltaram com uma mulher, provavelmente a mãe. Loira, com pernas longas e vestindo uma roupa casual. A mulher também expressara "oh" ao ver Carolina. Ela deu uns passos pra trás e começou o seu melhor número. Contorceu todo o corpo pra trás e então pôs a cabeça entre as pernas. Espantados abriram a porta e as crianças pularam para fora gritando "bravo, bravo". Foi então que ela viu José vindo pelo corredor, entrando na sala esbaforido e gritando com todos os pulmões "que diabos é isso Carolina?". A mulher loira estampou uma cara carrancuda e depois um meio sorriso que se transformou em uma gargalhada. "Então essa é a sua amante? Que piada, meu Deus. Que piada". Carolina distorceu o corpo e pegou a bolsa no gramado. Rebolou até o carro e o pôs dedo do meio pra cima. Que piada.