Memória de um cronista adormecido

Foi só um cochilo. Como aqueles que se tira depois do almoço. Só uma pausa entre expedientes. Não recordo qual a última crônica que redigi. Não sei de que falei e por que falei. Contudo, como criança que em forma de adulto volta ao parque pra brincar na gangorra, volto pra brincar com as letras. No intuito de levar e ser levado por elas, atrevo-me a despertar do cochilo que tirei.

O ar estava agradável dentro da barbearia. Sentado de forma estratégica, recebia o gélido ar advindo do ar-condicionado posicionado à frente, sobre mim. Fora, passava dos 30 graus de uma tarde de Março. A sensação térmica beirava a asfixia. Era esse o abraço caloroso que Abril oferecia. Entre barbas, cabelos, tesouras e máquinas, encontro o relato de um colega via Facebook sobre sua breve amizade com um amigo – que Deus o tenha. Texto curto, de quase um parágrafo. Esse foi o estímulo a me fazer retornar à gangorra que outrora deixei enferrujar as engrenagens. Fui envolvido pela bela simplicidade com que escreveu e lembrei que foi através das crônicas que iniciei meu percurso no caminho de escritor – seja por hobby, amor, momento ou por sonho. De pronto, tratei a pensar sobre o que o papel saberia ao meu respeito.

Confesso que a princípio não pareciam uma boa ideia. Não tinha nem 15 anos quando comecei a escrever. Não sei o que exatamente. Hoje, se fosse necessária a classificação, diria que escrevia crônicas poéticas como mecanismo inconsciente de projeção. O mundo era pequeno pra ficar apenas na mente. Precisava de um registro. Meus pensamentos precisavam se tornar palavras. Assim, surgia, timidamente um amante da poesia, filosofia, crônicas e vida. Recordo que em determinada aula no ensino médio, ao ouvir a Professora explicando a crônica como gênero textual, classifiquei tudo o que havia escrito como tal. Porém, da mesma forma que alguns ainda não sei, na época não sabia do que se tratava. Contudo, o que era crônica, era crônica e pronto! Não gostava das características do gênero: linguagem simples, narrativa de um acontecimento real ou fictício... Onde estava o lirismo? E a subjetividade tão necessária à vida? Ora, melhor é afirmar que há uma enorme estrela cuja luz ilumina e aquece de forma progressiva e a isso chamamos aurora, que apenas afirmar que o dia está amanhecendo. Isso sabia desde os meus 15 anos. Hoje entendo a beleza fascinante da sofisticação das palavras inseridas na simplicidade da crônica.

Dessa forma, aquecido pela escaldante estrela cuja luz iluminava o segundo expediente da tarde de sexta-feira, me dou ao trabalho de limpar as engrenagens e remover a ferrugem que tentavam corroer os pensamentos anti-cronistas. Retorno ao trabalho.