LÁ EM CIMA

LÁ EM CIMA

De tanto gostarmos de brincar com um objeto de formato redondo, entre amigos da vizinhança, naturalmente fomos nos juntando e nos agregando na rua, durante às tardes de cada dia. Colocávamos duas sandálias em cada lado e num contar de três passos, ali estavam “as balizas”. Era o chamado “golzinho de praia”.

Isso foi chamando a atenção da molecada de outras ruas e do morro mais perto dali. A galera queria era jogar em minha rua. Outras vezes contávamos “dez passos” e colocávamos um goleiro de cada lado. A vontade de vencer era tanta que também tinha “pau de briga”.

Logo a turma do deixa disso separava. Precisávamos de cada um para completar os times e ter aquela “gozação” básica das “peladas”. A rua era de chão batido e com alguns pequenos buracos. Até os homens adultos passaram a jogar conosco. O sucesso era tamanho que, já se falava em preparar um campinho. E o lugar escolhido foi “Lá em cima”.

Sim! Na rua paralela, mas que tínhamos que subir um morrinho. Era alegria a cada tarde. E quando chegava o fim de semana?! Lotava o campinho “Lá em cima”.

Verdade que, era uma rua sem saída, onde colocamos duas madeiras em cada lado e o “travessão” era daquele fio grosso de energia elétrica. Não havia madeira do tamanho para cada “baliza”. Ficávamos tristes quando alguém chutava a bola que batia no “travessão”.

Ali o pobre fio preto soltava e caia ao chão. A molecada se juntava para amarrá-lo bem rapidinho no pedaço de madeira que era a trave. Certo era que, “Lá em cima” era lugar de lazer. O futebol não podia parar. Surgiu o primeiro time da rua, formado nesse “campinho” chamado de “Os Calangos. A “Calangada” ficou animada só em ter um time e um nome para o mesmo.

Houve época que fazíamos torneios rápidos. Os mais adultos arrumaram sacos de batatas para fazer a “rede”.. Era incrível o talento para se ter uma baliza parecida com a oficial. O gosto em balançar a “rede” era tamanho, só pelo prazer de mutilar o saco de batatas. A cada chute forte para o gol que entrava, o pobre saco ia se rasgando até não sobrar nada para o outro dia.

Precisávamos de 8 jogadores para iniciar qualquer jogo. Todas às vezes que movimentávamos a galera, chegavam 7 jogadores. Chamávamos no portão de cada um ou fazíamos barulho “Lá em cima”, para ecoar e alguns se ligarem que estávamos chamando. Pacientemente esperávamos.

O gozado era que, quando chegava, era um batalhão de gente para jogar. “Lá em cima” já era um sucesso. Quando alguém perguntava: Vão jogar onde? Logo, alguém tomava a frente e respondia: “Lá em cima!”. Quando ia caindo a noite, logo íamos nos preparando para as últimas partidas, pois não havia iluminação adequada para enxergarmos a bola.

Tinha também o terreno abandonado, nosso caminho, e cheio de mato em que a bola sempre caia e rolava, morro abaixo ali. Não poderia deixar de mencionar o time dos “coroas” dali que, os mesmos montaram. Eles eram atrações por serem mais velhos, mas quando ganhavam a primeira e segunda partida, logo a galera se agitava e os batizamos como “O Time de Museu”.

Aos finais de semana eram certos, eles já se articulavam para botar o time de museu contra os times da molecada. O detalhe é que, quem estava de fora, vibrava com cada escorregão, cada jogada de efeito e principalmente, com cada gol perdido ou marcado pelo “Time de Museu”.

O tempo se passou. Fomos crescendo e criando responsabilidades e outros mudando do lugar. Com a era digital, percebemos ou não percebemos que a molecada não foi crescendo para manter nossa área de lazer. “Lá em cima”, deixou de ser “Lá em cima”.

Além do terreno que servia de passagem ter sido murado, dificultando a chegada da molecada para jogar. Depois de tantos anos longe do Rio de Janeiro, quando saí daqui do Ceará para visitar a família e ter ido na rua ou no “campo”, senti uma tristeza. Vi ali minha infância de muitas alegrias no futebol, como era antes: uma rua sem saída e mais, abandonada.

O progresso chegou, mas não vi progressão ali. Não havia traves, fios, bola e sequer garotos para que eu os chamasse e tentasse resgatar aquela diversão. Aquela memória do futebol. O fato é que, “Lá em cima” pode ter acabado de fato como campo, mas jamais se apagará das nossas memórias e dos nossos corações.

Evandro Ferreira

Professor, Escritor, Poeta, Cronista e Acadêmico

Publicou 3 livros:

-Momentos Apaixonados Escritos em Poesia;

- Amar com Poesia;

- Bullying, estou fora!"

Evandro Ferreira Rodrigues
Enviado por Evandro Ferreira Rodrigues em 21/03/2018
Código do texto: T6286987
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