Meu querido amigo " Pretinho".

A minha vida tem muitas histórias, pois embora não seja tão velho às vezes me sinto como se tivesse vivido um século.

Corria o ano de 1984, eu estava com exatos 30 anos, uma época bonita da minha vida, que guardo no coração. Casado já há dez anos, com três crianças para criar junto com a Fátima. O nosso filho Fernando , o mais novo, com apenas três anos, seguia os ensinamentos das irmãs.

A nossa casa era daquelas bem antigas, com jardim na frente, garagem no fundo, e quintal atrás, aonde criávamos as galinhas. Um terreno ótimo, que permitia espaço para as crianças brincarem, até as dos vizinhos. Os meus pais moravam na mesma rua, e isso era importante para nós. Às vezes aparecia com a F-100 da Ford , pois estava trabalhando na rua, e aproveitava para ver o meu pequeno mundo.

Uma noite ouvimos barulho no quintal, de gente andando e pulando muros , mexendo em coisas nossas, no quartinho e na lavanderia, e acendi as luzes todas da casa, e já saí agitando, pois apesar do medo, esse é o meu espírito, e gritei alto ; " Levantem todos; João, Antônio, Francisco..."- Não havia ninguém, somente um casal jovem com três crianças...isso foi uma forma que arranjei na hora, de chamar nomes fictícios para proteger a minha família. Sempre quis sair e enfrentar, a Fátima me segurava com medo, mas para mim não fazer nada era ainda pior.

Na manhã seguinte, lhe disse ; "Fá, ou eu compro um revolver, ou um cachorro, assim não dá dá para continuar, já é a terceira vez que nos assustamos , não temos tranquilidade ". Ela me disse; " Revolver não, pelo amor de Deus, que seja um cão ".

Na manhã de domingo saí com as crianças no carro ( uma Brasília ) , como de costume, eles adoravam um passeio, e lhes disse: Hoje vamos comprar um cachorrinho na loja de animais. Não preciso nem narrar a farra que eles fizeram no carro, parecia o dia mais feliz de suas vidas, e me diverti muito.

Uma loja na Av. Francisco Morato, estacionei e entramos, havia à seguir entre aves e peixes, um engradado no chão, com jornais , e lá estavam quatro filhotes de pastor , todos pretos, preguiçosos pelo calor da tarde, menos um que se atentou à nossa entrada, e me chamou a atenção , então o acariciei , e ele me lambeu a mão. O dono da loja o soltou, e ele já quis correr e brincar com os meus filhos, então lhe perguntei o preço , que era o correspondente à r$ 500,00 de hoje , teria que economizar nos dias à seguir, mas o comprei. Uma questão de segurança. Na volta , nem preciso dizer a bagunça que eles faziam no carro, e o " Pretinho " ( assim o chamamos ), era também uma criança , com apenas dois meses.

Naquele tempo a gente não tinha muito conhecimento, e cachorro era guardião acima de tudo, então no terceiro dia foi pra fora, pro quintal, mesmo chorando, pedindo pra entrar, mesmo com o coração partido precisava dele se habituando ao quintal, a cuidar das galinhas e da casa. Uma noite peguei a sua cabeça com as mãos e lhe disse :" Pretinho, eu te amo, preciso muito de você , me ajude ..."! Ele ainda era muito jovem, mas me olhou docemente, e parecia já entender a minha aflição , e cresceu muito , tornou-se um cão adulto e amoroso conosco, um " Senhor cão de guarda ", como poucos.

Fazia as rondas no quintal , ouvíamos caminhar pelo quintal e pelo jardim, latindo grave ou rosnando, e expulsou intrusos, ao ponto de se ferir para defender a nossa família, tomava conta das galinhas , convivendo com elas muito bem, era um amigo.

Meus filhos foram crescendo e ele participou de tudo, na piscina, na casinha das meninas , deixou puxar as orelhas e o rabo, aguentou tudo com muito amor, e muita obediência. A família era recebida com alegria, tamanha docilidade .

O Pretinho é o meu " Capitão dos quintais", lhe fiz uma canção que está aqui no Recanto, pois viveu conosco 15 anos, o que é bastante para um pastor, e chorei , chorei e chorei...como poucas vezes na minha vida, pois havia perdido um dos grandes parceiros que a vida já me deu até hoje.

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 21/04/2018
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