ARTE E CONVIVÊNCIA

Certas pessoas são aquinhoadas pela agudeza de espírito e pelo talento, elementos indispensáveis ao aprimoramento pessoal e coletivo.

Pois bem, os que em maioria somos apenas seres comuns, muito esperamos daqueles que se reconhecem iluminados, ou dos que efetivamente estão investidos pela engenhosidade. Os mais qualificados, além dos valores culturais, também deveriam estimular o apreço pela boa convivência.

Verifica-se, todavia, que o brilho frequentemente tem servido pouco à sociedade, pois está ocupado em contemplar seu próprio universo, ou, quando muito, intercambiar suas experiências em âmbito restrito.

Vemos, desse modo, o trato se retrair. A proteção seletiva dos grupos compartilha os saberes reservadamente, contribuindo para o distanciamento e para a debilidade em maior espectro da interação social. Adicione-se a isso, a convivência muitas vezes contrafeita no circuito virtual e muito pouco se tem a comemorar em favor de um relacionamento saudável.

Nas sociedades desiguais, o hermetismo, sobremodo o isolacionismo das mentes brilhantes, recrudesce as diferenças.

A arte tem um papel importante no apuramento social e poderia sim estimular um benéfico convívio entre as pessoas. Não se trata aqui unicamente em reconhecer a importância do polimento dos vocábulos para encantar mentes embrutecidas, ou deleitar espíritos refinados. Nem somente em distinguir a capacitação que possa exibir os mais admiráveis quadros da natureza real ou imaginária. Sem dúvidas que tudo isso é importante e enaltece. Contudo, se no andar corriqueiro, o “artista” veladamente cultiva o preconceito, ou é indiferente as práticas discriminatórias, de pouco adianta o engenho, e será fugaz a sua arte.

Colecionar elogios, acomodar-se na confraria dos aplausos, habitar no envaidecimento pueril e sobremodo abdicar do senso de justiça nas relações em sociedade, não contribui para melhorar o mundo.

Para além do egocentrismo dos seus protagonistas, a arte, englobada a música, literatura e o cinema tem importante papel na reconstrução social. É medular que a cultura e a estética dialoguem com a liberdade e se ocupem com os valores humanos, pois o verdadeiro talento não se submete à tirania.

É histórico que a opressão não possui força necessária para escravizar a arte. Veja-se que durante a Alemanha nazista foram estabelecidas regras a serem observadas pelos artistas. Na mesma ocasião, criou-se o catálogo da arte degenerada, representada por obras de Chagall, Picasso, Ensor, KoKoshk, dentre outros, que eram consideradas vergonhosas por atentarem contra a pureza ariana defendida pelo regime. A pregação ideológica, todavia, não foi suficiente para convencer o povo.

Em um mesmo dia, em museus diferentes, o regime exibiu obras que rotulou como sendo degeneradas e outras que eram simpáticas ao oficialismo. Essas últimas seriam representantes da verdadeira expressão estética.. Surpreendentemente, a exposição sob a etiqueta nazista da depravação foi a mais visitada.

Não houvesse, no correr do tempo, a extrema censura e a massiva propaganda de ideologias que se colocaram acima da dignidade humana, a história, por certo, teria sido escrita sem tantas atrocidades,

Indubitavelmente, a maior de todas as artes a ser cultivada pelo talento é o convívio amplo, pacífico e salutar em meio as diferenças. Sem qualquer distinção, é imprescindível investir pelos mistérios da existência e compreender a importância da natureza e da diversidade que a compõe. Como bem disse Carl Seagan, diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, deveria ser prazeroso convivermos no mesmo planeta e numa mesma época.