PALAVRAS, PALAVRAS, PALAVRAS...

Cissa de Oliveira

para a Rosa Pena

Como pesam sobre os ombros as coisas que o vento não atravessa! Inventadas preocupações? Claro que não! Digo de um peso que se assemelha à poesia quando falta ou da sobra do espaço em que ela não pousou.

Pousarão? Palavras, palavras, palavras... De tantas, se parecem a sardinhas numa lata. Trânsito engarrafado. Vias cruzadas. Tensão que dói nos ombros. Cruz. "Sou poeta, sinto falta de silêncio, fenda que me deixe cara a cara com o pulsar do coração". São palavras de um poema. Escrevi-o num dia desses, de alguma teimosia misturada com subtração de poesia. Por que subtração, perguntaria o leitor atento. É que poesia, quando escrita, vira um tanto de palavras. Palavras poética mas... Palavras.

Poesia é água. Palavra é água coada: sempre se perde um bocado. Quando sinto os olhos do meu amado, bebo da poesia que ele nem sabe guardada. Mas se eu digo dessa poesia, ela se desgasta e vai, como a água do riacho lavando as margens por onde a água passa.

Faca de muitos gumes. Que arma é essa que, ironia, se quiséssemos, calava-se? Palavras, penso, são ótimas se não ultrapassam o necessário. Até a pedra, como disse Cândido Rolim, o poeta, mostra apenas um esboço da própria consistência. Não venha a palavra, como diria a minha avó, dizer miolo d’água.

Palavras, ao teu gume a alma não pequena de um poema escrito – água coada! De ti recolho o que se salva: um pouco da oculta voz, a percepção azulada quanto à tinta da esferográfica ou o contorno da tecla que te desenha a alma, só.

Ah como pesam sobre os ombros, as coisas que o vento não atravessa! Quiçá fossem as palavras como o perfume das rosas despetaladas.

Cissa de Oliveira
Enviado por Cissa de Oliveira em 01/09/2007
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