MARTE X VÊNUS

Eu gosto de escrever sobre banalidades, pois a vida da gente é uma montanha delas. Filosoficamente, numa perspectiva bem ampla, a vida do homem no planeta é, por si só, uma banalidade. Mas vou me deter em banalidades nada filosóficas, salvo naquilo que pertine a um pequeno detalhe da Estética. Trocando em miúdos, quero dizer que, com o mobiliário que tenho em casa, adquirido há menos de oito anos, eu viveria bem contente até o fim dos tempos, quer dizer, até o fim do meu tempo. Exceto naturalmente os eletrônicos e alguns enfeites. Mas sou de Marte. Minha mulher entendeu que era preciso melhorar, atualizar o estilo e as utilidades de boa parte do mobiliário (só não dele inteiro, porque sou radical no apreço a certas peças importantes). Ela é de Vênus. O que aconteceu hoje? Um monte de homens esteve aqui em casa, desmontou e levou embora os armários modulados, os granitos do bar da cozinha americana (que escolhi com tanto esmero ao mobiliá-lo), os acabamentos da churrasqueira, isto por enquanto. Minha maior preocupação, neste dia, foi com os fios dos aparelhos da Net, do Whi-fi e do Blu-Ray, com vistas ao correto e pronto ajuste posterior para não ficar chupando o dedo. Amanhã deverá começar a pintura dos espaços esvaziados. Uma tristeza, os marcianos sofrem e se desestabilizam. A cristaleira foi dada de presente, portanto são também copos, garrafas, documentos, enfeites e cacarecos empilhados a cada canto da residência. Os habitantes de Vênus vibram, pois já estão vivendo uma nova estética; os marcianos lamentam o desconforto imediato, as mudanças não tão necessárias, os contratempos e, sobretudo, a convicção de que, em poucos anos, tudo irá se repetir.