COMER... COMER...

O velho ditado, “de médico e louco todos temos um pouco”, deveria ser atualizado para: “de chato e louco”... Uma das mais recentes versões desse perfil é o nutricionista chato. Os “nutrichatos” aparecem do nada. Na banca de verduras do supermercado, no balcão da lanchonete e, de surpresa, na fila do “self-service” Parece que ficam escondidos aguardando uma vítima para lhes passar “inéditos conhecimentos”, recomendações e palpites. Multiplicam-se como vírus, perturbam mais que motociclistas no trânsito. O pior é que eles não se entendem. Pelo que se vê nas redes sociais, alguns seriam capazes de sair no tapa, por contradições sobre os possíveis efeitos da casca da jaca na prevenção da úlcera gástrica. Para eles, comer virou rito mais rígido que os da maçonaria. Tem-se que comer de três em três horas e em quantidades predeterminadas. Chegam a recomendar uma banana em plena madrugada! Cada coisa que se coloca na boca demanda um tipo de mastigação, da direita ou da esquerda, seguida de movimentos respiratórios, harmonizados com exercícios físicos específicos. Frutas e legumes devem ser ingeridos sempre com casca e tudo. Os vermelhos em certos dias da semana, depois do meio dia. Arre! E o mel com abelha e tudo? Imagine-se mamão, laranja, abacate e abacaxi ingeridos com casca e caroço!

E dá-lhe o rigor dos integrais. Pão, biscoito, arroz, nozes (opa!) etc. E tome raridades caras: quinoa, linhaça, cogumelos exóticos. Recentemente inventaram mais uma: além de integral, o alimento tem que ser orgânico. Quer dizer: na produção vale utilizar urina, fezes diarréicas, vômitos, esgoto etc. Nunca um adubo de rótulo.

O mais recente mutante dos nutrichatos é o “hidrochato”, que poderia também ser chamado de “camelófilo”. Esse, o que recomenda beber água igual a camelo. No mínimo dois litros de água por dia. No máximo, seja o que Deus quiser. Tem gente propondo, na cirurgia bariátrica, reservar um estômago só para água, a fim de evitar o incômodo de carregar cantil, moringa ou mamadeirinhas, já presentes até em platéias de óperas (Belo!). Se ainda assim, a vida, segundo os nutri e hidrochatos, não ficar cem por cento assegurada, pode-se buscar auxílio junto aos “medichatos”. Estes têm horror à farmácia e de gente de branco. Exceção: só aos baianos na sexta-feira.

São íntimos dos raizeiros de feira. Conhecem chá para tudo. Do “pau-de-resposta”, ao “chifre de veado”. Receitam o modo de preparo, a temperatura e a oportunidade em que os chás devem ser bebidos. Inclusive as rezas e cantorias que devem fazer parte do rito de tomá-los. Examinam uma “garrafada” como os detalhes que um enólogo faria com o vinho.

Os chatos ainda não conseguiram plantar sua barraca na praia dos bóias frias ou quentes no campo ou no escritório. Ali, o que vale é a fome, o “aqui e agora!”. Não se dispensa, entretanto, o animado papo com os colegas de trabalho e os “causos” contados de boca cheia. Sentados no chão, em banquetas ou mesmo acocorados, traça-se o que foi possível colocar na marmita. A mistura, ao acaso, é que faz variar o sabor. Curioso é que a marmita do outro é sempre melhor e mais farta que a própria.

A turminha da lanchonete, aquela que come o sanduiche empurrado pelo refrigerante de goela abaixo, como se fosse remédio comprimido, não topa muito esses chatos e os coloca na cota do “nem te ligo, farinha de trigo”.

Outra gente que torce o nariz para esses chatos é a chamada elite, recostada na outra extremidade da massa social. Por lá, comer vai muito além do ato de mastigar, engolir e arrotar. O rito não impõe critérios de mastigação, nem intervalo de fome, tampouco integralidade do alimento e hidratação forçada. Requer – isto sim - alimentos preparados com a experiência e o requinte de quem sabe combinar sabores, textura, ponto de cozimento e montagem atraente no prato. Ajunte-se a porcelana, os talheres, que têm de ser de boa qualidade. A mesa, coberta com imaculadas toalhas. Os copos e taças de vidro fino, mas – preferencialmente - de cristal. A bebida de acompanhamento preferida é sempre vinho ou champanhe. Também é impecável a apresentação do pessoal de serviço, cheff, garçom e auxiliares. Desde as alfaias até demonstrações de tratos higiênicos pessoais. Normalmente tudo isso está inserido numa atmosfera confortável e decorada com componentes de bom gosto. Os clientes, geralmente acompanhados, também fazem importante parte do cenário com suas cores, perfumes, decotes e trejeitos.

Como se vê, na alta gastronomia, a comida em si, é apenas um dos componentes do cenário. Às vezes, nem tão importante. O que vale ali é bom gosto e bem estar.

Não é de se estranhar, pois, que os nutri, hidro e medichatos façam sucesso mesmo é na classe média. Aquela que fica ligada nas redes sociais, buscando uma mágica para viver mais.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 19/05/2018
Código do texto: T6340718
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