Aos que não me deixam esquecer

“É difícil?”, “são violentos?”, “fogo é o salário, neh?”, “acho bonito, nobre até”... são tantas as expressões vazias e tolas quando se referem ao ato de ser professor, que se torna cansativo, por vezes, discutir sobre isso. É sempre um julgamento ou elogio duvidoso, um mea culpa e dó, um apontamento de míssil e carabina. Nisso, a bala explode sempre nos mesmos alvos: professores e alunos. Cada qual com a sua parcela de tanta coisa no ambiente chamado escola.

Eu me cobro constantemente sobre isso, sobre o que faço para melhorar a vida dos outros, se melhoro, se devo, se preciso. Vez ou outra, na verdade vezes muitas, eu me sinto um embusteiro, enganador da vida alheia, perpetuador de uma ideia maléfica, destruidor de mentes e pensamentos. Mas, calma lá, sou só um humano. É comum deste se enredar por entre as outras pessoas, aquela massa humana e desunida, procurando de algum modo ser a linha, o cimento, a cola, a elisão.

Não costumo receber elogios, ao menos não sobre o que ensino; nem espero que eles apareçam aos montes, do nada. Mas às vezes é tão bom ser reconhecido, ainda que por ter feito uma piada, dito uma frase tola. Aquela piada, aquela frase, essas coisas de que tantas vezes nos esquivamos, sem que saibamos, salvou o dia de alguém, mudou o humor, deu ânimo, arrancou um sorriso, deu coragem, deixou de ser palavra para se tornar significado. Se eu pudesse saber o que muda nos outros enquanto falo, diria sempre a mesma coisa, mas então seria artificial, morto, mentiroso e vazio.

Então é isso, eis a magnitude do ensinar: aprender. Aprendo que enquanto falo, não é a regra, o ponto, o problema, mas é a fala, é o vazio no meio das falas. São aquelas palavras que juntas, num dia qualquer, numa hora qualquer, aquelas palavras dizem mais do que propriamente são. Como descobri isso? Eu não sei, descobriram para mim. E descobriram da melhor forma: vivendo. Porque só se vivendo é que é possível tornar algo realmente valido, realmente humano, realmente real.

O meu aniversário foi há poucos dias, e hoje já escrevo sobre o peso de mais um ano nessa linha de calendários e horas encavaladas. O que ganhei de presente foram objetos, coisas, como costumamos chamá-las. No entanto, isso não é totalmente verdadeiro. O que ganhei mesmo, realmente, foram gestos. Esses nem podem mesmo ser fotografados, descritos, posto que a mim pertencem, ao ponto mais profundo e íntimo de mim, do que me torna humano. Foram gestos, alguns que dizem respeito não a minha idade, mas ao que faço. Disseram que mereço um mimo por ter partilhado a parte humana que há em mim. Disseram que mereço por nunca desistir de ser, seja lá o que seja.

Então, penso agora, com a simplicidade das folhas ao chão, que a melhor e mais significativa parte de ser professor é aquela em que somos gente, humanos. Erramos, preenchemos, mudamos, por vezes há acertos. Repito: o que ganhei eu de tão especial? Respondo: o pedido para que eu nunca deixe de ser, pois sendo eu consigo ir além de parecer, de lembrar. Sendo, eu marco, atesto, não escorro. Sendo, eu deixo de lado a semelhança e visto a casaca da verdade, sem botões, ao vento, aquele leve tecido que balança mesmo ao soprar mais débil e cansado.

O agradecimento só é valido quando destituído de troca: agradeço porque agradeço. Quem agradece é que sabe de suas intenções. Quem agradece é que possui o peso de palavra tão pequena e imensa.

Obrigado.