Queda da árvore

Muitas pessoas que moram em grandes cidades acreditam que o sertão é uma terra violenta e que lá, invariavelemnte, a honra se lava com sangue. Verdade? Há controvérsias. Exceções,admito, mas existem e sempre existiram. Vou contar um causo absolutamente verdadeiro que narra uma exceção de não violência num momento em que tudo indicava que haveria uma vindita.

Eu costumava fazer ponto, dar uma passada, numa tenda de um sapateiro no sertão. O cara, na época um velho dos seus mais de 70 anos, lutara no tmpo do cangaço. E quando a aagente forçava, com muito jeito, ele contava algumas histórias das lutas das volantes contra os cangaceiros. Não enfeitava o maracá, nunca contou vantagem, contava era que quem ia lutar ficava se cagando de medo. Era u cara sério e sabia como ninguém contar as histórias do cangaço, a gente parecia que estava vendo as cenas. Esse sujeitonunca fora à escola, mas era um sábio, não dizia besteira e só dava bons conselhos. Enquanto batia a sola em cia da bigorna, fumando seu "pacaia", não sei o que me fazia mais mal ``a asma, se o "pacaia", o cheiro da sola ou o da cola de sapateiro, ele dizia sempre algumas frases que terminei gravando na memória: - Se fo fazer o mal, faça mesmo, nunca deixe pela metade, se deixar se arrepende, mas se fizer completo só vai sentir o remoroso. - Não elogie demais nem santo, se fizer isso fica parecendo um chaleira.- Na guerra quando se mata não se arrepende, vira costume. - O pior de matar é ver os olhos do morto, quando ele está mrrendo, você nunca vai esquecer. - Lampião nunca foi muito corajoso, era mesmo inteligente, valente era Maria Bonita e Corisco.

Bom, um dia eu estava conversando com ele, até lembro do assunto, ele achava que o Brasil não ganhava de jeito nenhum a Copa do Mundo de 1958, ia amarelar como fez contra aa Hungria e 54. Ele acompanhava futebol pelo rádio. Estávamos discutindo, eu dizendo que o Brasil seria campeão, quando chegou um sobrinho dele, que era vigia de uns armazens da cidade, um cara que tinha fama de ser uito valente. Chegou aperriado e foi logo disparando:

- Tio, minhafia, Das Dores, sua afilada, num é ais moça. Dizi que foi um sordado que rancou os tampo dela. Agora tenho de matá o peste. Nu há ôyta coisa a fazê, depois fujo e seja o que Deus quiser. Só peço que o sinhô ajude minha famia.

O sapateiro ouviu aquilo calmamente, parou de bater na sola, ficou ali fumando e olhando para um ponto indefinido, Depois isse sério:

- Num mate o sordado não. Dê só um susto nele, pegue aquela "viana" (faca peixeira grande) que eu lhe dei, tocaie ele, bote faca no pescoço dele, faça um furinho de leve, que sangre muito, e vise a ele que se vortar a buir com Das Dores você sangra ele. O mesmo se contar algo a alguém. Aquee sordado é frouxo, vá vê que Das Dores se enxiriu muo pra ele.

O sujeito se acalmou e apenas disse: - Maizi Tio, e esse menino aí, ele nun vai boatar o que nois cynversemo?

O velho riu e disse como se estivesse dizendo uma verdde absoluta:

- Ese rapazinho é filho do Major, ele só vai rvelar essa história dpois que nósi tudinho tivé morto da silva.

O sjeito ainda perguntou: - Maizi tio, ela num vai maizi poder casá prquê num ´pe maizi moça.

- Deixe de besteira, vai sim, você não conhece a sua filha, ela vai dizer ao futuro noivo, um desses ricos bestas, que quando era pequena caiu de uma árvore, uma mangueira e no acidente perdeu a virgindade, virou muié.

Foi dito e feito. O causo é absolutamente verdadeiro. Ela casou e viveu muoito bem, fo muito feliz. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 22/05/2018
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