Esse tal de WhatsApp...


     1. Pode parecer mentira, mas guardo cartas que recebi nos - já tão distantes! - anos 1950. Vez em quando, abro o meu baú de inesquecíveis recordações e as releio como se as estivesse recebendo naquele momento. 
     2. Algumas, quem as escreveu, já desencarnou. Mas, em cada linha, em cada parágrafo deixou o seu "retrato". Não um minúsculo 3X4 tirado num lambe-lambe qualquer, mas um "retrato" de corpo inteiro.
     3. Hoje, por exemplo, reli uma carta de janeiro de 1953. Quem a escreveu? Minha mãe, no dia em que eu deixei o seminário, e, em Fortaleza, iniciava minha vida fora dos claustros franciscanos.
     4. Maria Luiza concordava com minha decisão de sair do seminário. E aproveitava para me falar, no seu estilo carinhoso, sobre o mundo que, a partir daquele janeiro, eu encontraria pela frente.
     Meu pai, que não era de escrever muito, pôs, na carta da Velha, o seu solene "De acordo".
     5. Sempre adorei escrever e receber cartas. Como outrora, continuo achando que as cartas têm alma. Daí, muito cuidado ao escrevê-las, sempre atento ao que dizia um sábio da Roma antiga: "Verba volant, scripta manent", ou seja, as palavras voam e o que a gente escreve, fica, permanece.
     6. E se são cartas de amor, mais cuidado ainda. Aquelas juras de amor sincero, as promessas de fidelidade perene, de repente, serão cobradas se a quebra desses compromissos amorosos não for mui bem justificada.
     Mas nada como uma carta para se dizer: eu te amo, e assinar embaixo. 
     7. Mas avancemos. Carta é coisa do passado, lamentavelmente. Estamos no tempo de um tal de WhatsApp. Uma praga! Ate nos toaletes encontra-se alguém com o dedinho nesse aplicativo, enviando ou recebendo mensagens.      Arrisco-me a dizer que o WhatsApp atropelou todos os veículos de comunicação até aqui existentes.
     8. O WhatsApp é tão devastador que até o velho e-mail perdeu, praticamente, o prestígio.      O jornalista Ruy Castro, na sua crônica recentemente publicada na "Folha de São Paulo",  foi incisivo: "No mundo do WhatsApp, quem se preocupa em abrir emails?"
     9. E faz esta observação que, por ser oportuna e verdadeira, transcrevo: "Mandar um email para alguém parece-se, hoje, com o náufrago que atira ao mar uma garrafa com uma mensagem, rezando para que, um dia, com sorte, a garrafa seja encontrada e a mensagem, lida".
     10. No final de sua crônica, o autor de "A noite do meu bem - A história e as histórias do samba-canção" se diz decidido a imprimir seus e-mails, "enfiá-los em garrafas e atirá-los ao mar".
     11. É, sem dúvida, uma ótima ideia. Penso em fazer o mesmo com os meus e-mails. O mar, de azul-Egeu, da linda Bahia, que avisto da minha varanda, está ali, à minha disposição. 

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 22/05/2018
Reeditado em 05/11/2019
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