SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO

Não que o passado tenha sido diferente, ao contrário - época de dinastias e nomes de família - vivemos ainda em uma sociedade que demanda qualificativos e etiquetas de pessoas em geral: fulano, médico badalado, sicrano advogado famoso do pessoal de colarinho branco, beltrano, arquiteto que fez isto ou aquilo. E por aí vai, até o empreiteiro que construiu a mansão daquele deputado cassado. Os bem jovens, muitas vezes, sabem apenas que a amiguinha é filha daquele cara que tem uma casa "afudê" ou um carrão conversível do cacete, tipo assim. O resto é “gente boa”, “legal” e coisa e tal. Ou seja, tanto faz, quanto tanto fez. A cultura vai mudando. Meu pai, que desfrutou de alguns títulos, depois dos setenta anos, já aposentado, geralmente não passava de “pai do Conceição” junto a minha escuderia - logo ele que me transmitira o sobrenome. Deve ocorrer o mesmo entre os colegas de trabalho de meus filhos. Não acho bom e nem ruim, apenas constato, é quase uma lei natural. Se eu fosse o Sílvio Santos seria diferente, mas não me trocaria pelo Sílvio Santos, entendam como quiserem. Esta questão de ater-se a uma referência profissional, social ou econômica talvez mantenha alguns conhecidos mais velhos em esforçada performance no palco. É compreensível a vaidade humana, ainda que haja aspectos mais nobres de que se orgulhar. Mas, na verdade, bom mesmo é ser aquilo que as celebridades mentem que gostariam de voltar a ser: pessoas comuns, fazendo eventualmente a feira, no aconchego do lar ou no discreto convívio com amigos e parentes num lugar público agradável, sem distribuir sorrisos, cumprimentos e autógrafos. Seguidamente, estou conforme meu verdadeiro "eu", isto é, de chinelo, camiseta e bermuda de brim, quando faz calor, é claro.

Nem assaltante sabe se tenho dez ou cem reais no bolso. Já me habituei a ser chamado de “Seu Zé” ou de “Seu Pedro” e isto me define, tá mais do que bom para curtir a vida. Meu velho pai, que era médico, preferia que o chamassem de Doutor Darcy, como se fora uma indispensável homenagem a Hipócrates. Agora, tem uma coisa: se me tratares como um bicho qualquer, te ponho logo, logo nos trilhos.