RUIM POR RUIM, VOTE EM MIM!

Por mais idiota que pareça o apelo, o candidato a prefeito que o utilizou, em campanha, numa pequena cidade do Maranhão, conseguiu sucesso. E o mote era coerente com a história política do pequeno lugar de pouco mais de dez mil habitantes, contando com a população rural. Até que por lá tinha gente boa, mas sem o menor interesse em ser candidato a coisa alguma. A campanha eleitoral para prefeito e vereador era um marasmo emudecedor. Até briga de cachorro na rua e outras relações impuras entre macho e fêmea chamavam mais a atenção que a campanha eleitoral.

Não havia rádio. Apenas um serviço de alto-falantes, com oito cornetas metálicas espaçadas estrategicamente ao longo da singela pracinha da igreja e das duas avenidas de comércio que emergiam para um e para outro lado daquele simpático largo sombreado por enormes mangueiras e jaqueiras. O padre aparecia só para celebrar as quatro festas religiosas: São Francisco, Nossa Senhora da Conceição, a padroeira, São José e São João. No mais, a atividade religiosa resumia-se à reza do terço, nas novenas do mês de maio, na semana santa e nas vésperas de Natal.

Dona Lia ocupava as funções de religiosa poderosa na ausência do padre. Cuidava da igreja, visitava doentes sempre levando consigo uma garrafinha de água benta para ungir a testa e as partes doloridas, das senhoras e crianças. Para os homens adultos, rezava à distância e, quando muito, benzia com ramo de arruda. Era, pois, também rezadeira famosa. Vinha gente de fora do lugar para curvar-se e receber sua unção. Sua bênção maior, disputada com filas, era a de quarta-feira de cinzas. Havia quem, por dias, evitasse lavar a cinza recebida na testa.

Seu Alfredo, o dono da farmácia também fazia sucesso não apenas ministrando o remédio certo, mas também com suas garrafadas elaboradas à base de chás de cascas e folhas diversas, adoçadas com puro mel de abelhas, fornecido por Tiquinho, mateiro de fama e contador de causos das matas. Seu Alfredo, udenista sem um mínimo de convicção, alternava com seu Abílio - petebista que nem tinha ideia do que era trabalhismo - a função de prefeito. Como hábito de mais de vinte anos, vingava na cidade esse pacífico rodízio entre compadres. Saía um, entrava o outro, e ninguém queria disputar a ocupação daquela encrenca, sem prestígio e sem dinheiro, muitas vezes, até para pagar as contas de água e energia.

Seu Abílio era comerciante de tecidos e confecções. Produtos feitos ali mesmo no lugar, ou melhor, na sua residência, por sua esposa, Dona Mércia, exímia costureira, bordadeira e professora de corte e costura, com diploma obtido a partir de curso por correspondência.

A Farmácia Sagrada Família e o Empório dos Tecidos eram lojas a menos de cinqüenta metros uma da outra, o que permitia seu Alfredo e seu

Abílio revezarem também um na porta do outro, trocando prosa, enquanto aguardavam freguesia.

Os vereadores, sempre os mesmos, na época, não remunerados, eram meras figuras decorativas.

Não tardou a aparecer em Santa Cruz do Sul um estranho cidadão. Falante, cheio de conhecimentos de tudo. Amigo de “Sir Ney”, mais tarde transformado em Sarney, cidadão com prestígio junto aos políticos estaduais e nacionais.

Isso foi um ano antes das eleições municipais. Reconheceu o terreno, transferiu seu título eleitoral e logo se candidatou à Prefeitura. Sabia que o povo mantinha seu Alfredo e seu Abílio na prefeitura apenas por costume. Mas eram inertes administradores. Nunca cobraram IPTU, nem impostos e tampouco faziam pela comunidade. Detestavam políticos vindos da capital. Eram administradores reconhecidamente ruins.

Jairo Lobo ocupou o espaço político e lançou-se candidato a prefeito pela UDN no lugar de seu Alfredo, com o mote: “ruim por ruim, vote em mim”. Ganhou. Levou asfalto e até uma estação de rádio AM, intitulada Rádio Difusora de Santa Cruz do Sul, ZYX15, a emissora líder do sul maranhense. A jardineira do seu Teotônio Sabóia foi aposentada e inaugurada uma linha regular de ônibus até Imperatriz, ainda que a estrada fosse extremamente precária.

Jairo, que chegou pobre a Santa Cruz, ao final de dois mandatos, tornou-se o homem mais rico da região, implantando uma indústria de óleo de babaçu, com quase duzentos empregados e dois prédios comerciais construídos onde era um enorme e tradicional casarão colonial. Amancebou-se com a filha de seu Abílio, tiveram filhos e netos que pontificaram no cenário político nacional, sempre aliados aos descendentes de Sir Ney.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 08/06/2018
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