Conflito

Da série: PARÔNIMOS NOSSOS DE CADA DIA

(Não quero esmolas, apenas uns trocadilhos)

Conflito

A professora de história era Dona Violeta. De natureza muito exigente, não raro, o rigor lhe ultrapassava o comedimento, e, quando isso acontecia, ela agia com desmesurada energia. Os alunos ao perceberem este traço de comportamento, ainda que exclusivamente por força do tirocínio, passaram a chamá-la nos bastidores escolares de Dona Violenta.

Certa feita, ela determinou a seus aprendizes que encenassem uma peça sobre a Guerra de Tróia. Coincidentemente alguns deles tinham o nome de personagens da narrativa lendária: Ulysses (soldado idealizador do famoso cavalo de madeira), Helena (a bela esposa raptada por Páris) e Heitor (filho do rei Príamo e general do exército troiano). As outras personagens, sem homônimos, relevantes da épica batalha eram Príamo (rei de Tróia), Páris (filho de Príamo e o raptor de Helena), Menelau (marido de Helena), Agamenon (rei de Micenas e irmão de Menelau), além de Aquiles (guerreiro grego) e Pátroclo (primo de Aquiles, morto por Heitor). Também havia personagens secundárias e figurantes para compor o elenco (soldados, escravos, etc.).

Em relação ao corpo discente, embora a estudante Helena não guardasse a mesma beleza da famosa xarapim grega, suas feições agradáveis não eram de se desprezar. Por esta razão, muitos alunos se candidataram para ser o Páris, na expectativa de obter pelo menos um beijo, que em teoria pudesse acontecer, entre as duas personagens. Outros, imbuídos de espírito heroico, desejavam representar Aquiles. Carlos acreditava ser o mais indicado, pois como machucara o calcanhar na pelada do fim de semana, achava que sua condição física conferiria maior verossimilhança à personagem em questão. Alguns desejavam o papel de Ulysses, pois a garota mais bonita da classe se chamava Penélope e tal qual a Odisseia, atribuída a Homero, poderia vir a se tornar a sua esposa na ficção ou na realidade, quem sabe. Diziam ainda: vou comprar uma casa na praia de Ítaca (conhecido balneário da cidade) para ver se a “Pen” vai para lá. Quimeras juvenis alimentadas pelas circunstâncias cênicas favoráveis, nada mais. Ninguém, obviamente, quis ser o Menelau. O código de honra consuetudinário praticado pelos meninos-homens, por certo, desaprovava representações de corno, ainda que não fosse manso.

Os bulícios expectantes mostraram-se, no entanto, inócuos. A docente pôs fim ao mistifório e, ela mesma, definiu os papéis os quais cada um faria. Uma tentativa de sublevação chegou a ser arquitetada, mas foi devidamente reprimida pela apresentação de argumentos bastantes convincentes por parte da educadora: nota zero para os insurretos.

Vencida as barreiras preliminares, foi elaborado, à luz dos acontecimentos históricos, o roteiro da peça e foram marcados os primeiros ensaios.

O tempo avançou e eis que no dia programado para a estreia, os alunos que participariam do espetáculo, para impressionar o público, chegaram, todos, já caracterizados, ao teatro reservado pela escola, em carruagens conduzidas por cocheiros vestidos a caráter e puxadas por trincas de cavalos (havia uma exposição delas na cidade, com direito a passeio pago). O atavismo sob duas rodas de grande diâmetro, provocou entre os jovens atores porfia pelo protagonismo na chegada. Com a turbação que se formou, os cavalos se agitaram, relincharam nervosamente e começaram a brigar uns com os outros provocando pânico e uma correria generalizados. Tudo isso sob os olhares perplexos de todos que ali permaneceram, principalmente da professora espartana. Entre figurinos despedaçados, vidraças quebradas, rostos arranhados, patas feridas e cabriolés avariados, os ânimos foram arrefecidos, todos: humanos e animais. Situação controlada, a apresentação naturalmente foi cancelada e os convidados dispersados com pedidos compungidos de desculpas da direção da instituição de ensino.

Desnecessário informar que todos os envolvidos foram sumariamente suspensos das atividades letivas, sem antes ouvir reprimenda homérica da professora, que no exercício da batibarba fez jus ao apelido que lhe fora imputado secretamente pelos alunos no alvorecer desta narrativa.

A conclusão do lamentável episódio, em nota veiculada pela diretoria do colégio: A balbúrdia instalada às portas do templo da dramaturgia, que contou, inclusive, com o combate entre os equídeos, resultou não somente no cancelamento do espetáculo, mas também e, principalmente, em mácula na imagem deste Liceu. Este dia, página vexaminosa nos anais da escola, ficará marcado não pela encenação da Guerra de Tróia, mas pela ocorrência de um outro conflito: A Guerra de Tróicas [nota 1].

Nota:

[1] Conjunto de três cavalos atrelados a um trenó ou a uma carruagem.

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© Leonardo do Eirado Silva Gonçalves

Novembro/2017

Leonardo do Eirado
Enviado por Leonardo do Eirado em 09/06/2018
Reeditado em 25/06/2018
Código do texto: T6359434
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