COTIDIANO NÃO ERGÓTICO

O artigo do Professor Antônio Delfim Netto publicado na Revista Carta Capital de 13/02/2012 não surpreende pela qualidade, sempre extraordinária. Mas, deve ser destacado e lembrado como uma revolucionária aula de razão e lógica, podendo funcionar inclusive como cirurgia corretora de estrabismo socioeconômico.

O autor toma o homem, para efeito didático, como “um átomo que pensa, que imita, aprende, inova e transmite sua experiência” e, como tal, passível de ser mais bem compreendido sob os fundamentos da teoria da incerteza e do processo evolutivo no espaço-tempo.

Não é comum, mesmo aos bons pensadores, imaginar a condição do homem como ente dinâmico, não estático, sujeito a mutações diversas, inclusive, racionais que terminam por desenquadrá-lo do “ergotismo”. O processo ergótico, regularmente usado como fundamento racional para proposições proféticas, presume um silogismo simples (ou um tanto obtuso!) pelo qual “o presente reproduz o passado e esse antecipa o futuro”. Com sabedoria, Delfim Netto propõe a extirpação desse tumor racional atrasado que prejudica as predições mais criativas. Longe do ergotismo, é possível entender o homem como criatura em permanente mutação, especialmente quanto a sua capacidade de apropriar seletivamente e mobilizar conhecimentos para elaborar novos conceitos, ou, assim sendo, sob o processo racional “não ergótico”.

Para justificar a importância do processo racional “não ergótico” em contraposição ao “ergótico” vale a pena entender um pouco mais sobre o principio da incerteza e a ideia de espaço-tempo, bem como a combinação dessas duas teorias afetando nossa vida, nosso cotidiano.

A teoria da incerteza, inerente a toda medição física, postulada por Karl Heisenberg, em 1927, assegura que (interpretação livre deste autor) tudo aquilo que o homem percebe e julga como estático, não o é. Pode ser, no máximo, de ocorrência modal, isto é, mais comum, mais frequente e de aparência constantemente estática, sendo suas variações desprezadas em favor de generalizações interessadamente enviesadas.

Os adolescentes não querem nem saber dessa teoria, quando dizem: “mãe, deixa-me ir, todos meus amigos vão”! Os corruptos também se valem disso: “todo mundo rouba, eu também vou roubar. É normal!”

Ora, o princípio da incerteza, deriva de fenômeno físico quântico e explica que a partícula subatômica nunca está no mesmo lugar, na mesma órbita. Sua energia varia em diferentes momentos de medição, embora pareça constante, pela maior frequência na posição observada. Isso explica, pois, que “o mais observável, o mais frequente não é absolutamente o verdadeiro”. É apenas uma aparência, a maneira mais frequente de ocorrência.

Transferindo isso para o comportamento humano, o átomo que pensa, que imita etc., temos que pode não ser verdadeiro nem confiável o

comportamento frequentemente observado pelos seres vivos, especialmente pelo ser humano. O estereótipo pode ser apenas uma normalidade vulnerável à variação.

A teoria também descarta qualquer confiabilidade nas peremptórias afirmações do “eu sou”. Segundo a teoria da incerteza, ninguém é, embora possa agir na maioria das vezes de determinada maneira, porém jamais se pode garanti-la refratária a alterações. Mesmo não assumindo explicito fundamento na teoria da incerteza, estão coladas a ela a ciência estatística e a cômica Lei de Murphy, aquela que diz: “se algo pode dar errado, esteja certo, dará”.

Como reforço teórico, o postulado da incerteza ainda conta com a ideia do espaço-tempo, uma nova dimensão física proposta por Einstein e explicitada por Stephen Hawking. Linha racional que considera a constante alteração ou evolução do espaço no decorrer do tempo, levando em conta o deslocamento do universo e, com ele, a terra. Junto com a terra, os lugares e, por fim, a afetação dos objetos por essa dinâmica, criando constantemente um novo endereço para todas as coisas, o espaço-tempo.

Assim sendo, os objetos, os seres vivos, o homem, enfim, nunca se repetem no mesmo espaço nem no mesmo tempo. Por que se repetiriam em seu comportamento, em sua razão, em suas atitudes? Einstein admitia a possibilidade de se predizer fisicamente o novo espaço-tempo quando afirmou que “Deus não joga dados”, porém, físicos mais contemporâneos preferem admitir a ideia da casualidade e, consequentemente da imprevisibilidade, em favor da teoria da incerteza.

No campo das ciências biológicas, as teorias da incerteza e do espaço-tempo contemplam todos os elementos levados em consideração no processo evolutivo proposto por Darwin: novo ambiente, casualidade e incerteza para se chegar a um diferente ser adaptado a seu novo endereço.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 13/06/2018
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