TITO SANTARÉM

Tito nascera de parto caseiro, filho de pescador que tinha uma pequena banca na Feira do Peixe, na orla do Rio Tapajós, em Santarém/PA. Era ali que seu Pedro comercializava o produto de seu trabalho. Tito - malandro desde criancinha - não se dava aos estudos nem se oferecia para ajudar o pai. O caso dele era jogar bola. As pelejas aos sábados eram aguardadas e comentadas durante toda a semana. Logo sábado, dia de grande movimento na feira!

Era dia que seu Pedro o convocava compulsoriamente para descamar e destripar peixes na banca. Ao meio dia em ponto sua colaboração era dada como encerrada. Nem passava em casa para almoçar. Comia ali mesmo, peixe frito, espetinho, pastel e mata-fomes diversos. Isso acompanhado de açaí no caldo de cana.

Partia para a várzea. Jogava descalço ou, no máximo, com uma velha e surrada alpargata, com sola de sisal trançado. Na época de seca, ocorriam torneios nas praias de Alter do Chão. Ocasião de festa para Tito.

Mesmo com apenas 16 anos de idade, agia como um verdadeiro capitão. Reclamava da arbitragem, das faltas desleais. Até do uniforme mal cuidado por seus companheiros e pelos adversários. Rigoroso líder nos bastidores, isto é, na beirada do campo. Reservava horários para seu time, organizava tabelas de torneios etc. Escalava e vetava árbitros. Em suma, futebol de várzea em Santarém, necessariamente passava por Tito.

Não perdia um só programa de João Álvaro – Cartaz Esportivo - na Rádio Clube do Pará. Também era ligado em Abílio Couceiro, da Rádio Marajoara. Torcedor declarado do Clube do Remo, desde que este se sagrara campeão paraense em 1960.

Dentre os inúmeros amigos e companheiros de bola, havia um maior e melhor, o Nêgo. Veterano e experimentado em Belém, chegou a pertencer ao elenco de jogadores reservas do Tuna Luso, sem nunca ter alcançado a posição de titular. Fazia o papel de treinador do time de Tito. Foi esse grande amigo quem o incentivou a tentar carreira de jogador profissional em Belém.

Nêgo ficara sabendo que tanto o Remo como o Paysandu buscavam “sangue novo” para recompor seus plantéis. Haviam perdido muitos de seus craques para clubes do Sul. Soprou animação em Tito para tentar uma oportunidade na Capital e deu a dica: pegar um ita e desembarcar em Belém, expondo-se ao máximo com chuteiras penduradas no pescoço. Foi assim que fizera anos atrás e deu certo.

Seu Pedro não botou fé no sucesso dessa empreitada. Mas, pensou: “se o moleque não sabe mexer com outra coisa, vamos apostar”. Custeou a passagem e ainda colocou uns trocados no bolso de Tito. As chuteiras, doadas por Nêgo, sobravam nos seus pés. Mesmo assim receberam generosas mãos de graxa, escovação e novos cadarços. Ao experimentá-las como colares em seu pescoço, ficou difícil suportar o chulé nelas encarniçado. Mas, era o que tinha...

Nêgo fez questão de fazer-lhe companhia e iniciá-lo nos macetes da Capital. Assim, lá se foi Tito. Alpargatas nos pés, chuteiras no pescoço e um embornal a tiracolo com poucas peças de roupa. Nunca havia viajado, a não ser em pequenos barcos de pesca e na carroceria de caminhões com sua equipe de futebol. Ansioso, nem conseguira dormir a bordo no trajeto noturno.

Desembarcou do ita em Belém com o vagar necessário à planejada exposição. Girava a cabeça para os lados como autoridade pretendendo ser notada por populares. Chegou a reembarcar para descer novamente em grande estilo. Nada! Nenhuma viva alma a se interessar por aquele jovem mancebo. Nêgo também se decepcionou com o descaso.

Depois de repetidos muxoxos, foram parar na casa de Zé Galinha, ex-goleiro do Tuna, contemporâneo de Nêgo. Zé ganhara o apelido por sua incrível afinidade com “frangos”, no ofício. Banharam-se e saíram em busca de gente influente do ramo futebolístico. Treinadores, empresários, dirigentes, chefes de torcida organizada. Até camelôs de porta de estádio. Alguém haveria de conhecer e se interessar por Tito.

No quinto dia, vendo sua farinha em declínio, Zé Galinha resolveu juntar seus esforços à peregrinação dos visitantes. A contragosto, levou-os até Maurão, ex-treinador do Paysandu que passara a viver de emprego público, como segurança de um deputado federal. Cidadão agigantado, mal educado, grosso e deselegante ao falar. Razão da arrelia entre os dois.

Maurão – poucos sabiam – guardava oculto o sonho de ser empresário de atletas. Ouviu atentamente o currículo de Tito declinado por Nêgo. Resolveu apostar sem conferir. Logo inventou uma destacada liderança política de Nêgo e do pai de Tito junto à comunidade de pescadores de Santarém. Argumento suficiente para contar com a influência do parlamentar junto à Diretoria do Remo. Recomendado politicamente e acertadas as comissões junto ao “empresário” Maurão, Tito logo passou a treinar no Clube do Remo com o nome de Tito Santarém. Virou craque. Dois anos depois, seu passe foi comprado por um time de São Paulo. Maurão faleceu antes de auferir os dividendos dessa milionária transferência. Nêgo passou a ser seu empresário, por história e justiça.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 15/06/2018
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