CAROL, CAROL, CAROLINA!

CAROL, CAROL, CAROLINA!

Todos estavam ocupados, menos Carol. Todos estavam com um pincel e um rolo em cada mão, menos Carol. Todos estavam lerdos de sono diante da parede a ser pintada, menos Carolina. Esta trocava os pés, pulava de um lado para o outro feliz como uma criança – e ela era uma criança!... Carol contava com seus quatro anos, cabelos encaracolados, louros como o sol do meio-dia, a pino. Pequenininha e ágil como ela, só mesmo ela. Na época deste caso, a mocinha era a menor dos menores dos netos da família. Família esta, ímpar por natureza.

O meu pai, avô da mesma, sorria olhares ao vê-la saltitante. A minha mãe não só o acompanhava como apoiava toda e qualquer traquinagem – dos dois. Às vezes eu não sabia de quem chamar a atenção, se do avô ou da neta, que se divertia com tudo aquilo, desdobrando-se em mil gargalhadas. Hipérboles à parte, lá estávamos nós em frente à parede branca, sem nenhum risco de tinta.

– Qual cor vocês escolhem? – perguntei só por perguntar.

– Verde claro! – disse a mãe de todos olhando para as tintas bem aos nossos pés.

– As cores do arco-íris!... – falou a pequenina olhando para o avô, com uma voz que dava gosto de se ouvir.

Foi quando percebi que os dois estavam de comum acordo. E só pude pensar: “Meu Deus, dai-me forças no dia de hoje!”. Minha mãe fez logo um “nem te ligo” e ergueu a lata de tinta da sua cor preferida. Cabo de guerra?... Vozes à parte, iniciei o trabalho. O pai de todos, meio que contrafeito, veio me ajudar. Muda, agradeci.

Lá pelas tantas, Carol cansou de espiar e foi para o jardim. Lá, atrás dos cachorros, corria os passarinhos com os seus ajudantes caninos e subia nas árvores como se aquilo fosse normal para uma criança do seu tamanho. Quando se é mãe, os ouvidos ficam, literalmente, mais apurados. Então, veio o silêncio. Olhei para o jardim: nada vezes nada!... Olhei para o portão, estava entreaberto. Virei-me para ir à rua quando dei com Carol parada atrás de nós, feito estátua. Então, lhe veio a pergunta:

– Posso ajudar?

Os seus olhinhos, pedintes, iam de encontro ao sorriso do avô. Avô este que, mais rápido do que o seu normal, deu à moça dos olhos cor de mel um pequeno pincel.

– Aqui está, bonequinha: pinte a mangueira de branco. O jardim ficará lindo!... – disse ele.

– Certo Vô, Shatzi!... – assim ela o chamava, assim ela o encantava.

As horas a seguir seguiram na santa paz: meu pai assobiando e ela replicando o assobio de onde estivesse. E eu, amava tudo aquilo!...

Depois de uma boa tarde de trabalho, terminamos os detalhes e ficamos observando a parede de roupa nova – verde, como a grama recém-nascida. E, nessa hora, ouvimos bem de perto:

– Terminei, Vô!... Vem comigo ver como ficou?...

Aquela menina que ali estava nem parecia minha filha: Havia tinta por todos os lados. Os seus cabelos estavam brancos, a sua roupa estava branca, até os focinhos dos cachorros estavam brancos!... Trabalho dobrado?... Mordi a língua. Seguimos a fantasminha ate o tronco da mangueira. Este jazia intacto, sem nenhum pingo de tinta... Mas a mangueira de água que estava esticada ao chão, nesta sim, não havia um só traço de azul, a sua cor original.

Patricia Essinger
Enviado por Patricia Essinger em 16/06/2018
Código do texto: T6366277
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