ATIQ RAHIMI, UM ESCRITOR AFEGÃO

UM ESCRITOR AFEGÃO

Nelson Marzullo Tangerini

Atiq Rahimi, escritor afegão, esteve no Brasil em 2003, quando autografou seus livros e fez palestra no CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil, sobre a poesia feminina do Afeganistão.

A poesia feminina afegã sobrevive no plano oral, uma vez que o maior número de analfabetos naquele país é de mulheres e, se elas escrevem, tem de esconder suas produções, uma vez que elas devem ser submissas.

O Afeganistão é um país asiático espremido entre Turcomenistão, Uzbequistão, Tadjiquistão, China e Paquistão e não tem saída para o mar - e talvez não tenha saída, também para a liberdade.

Ficamos sabendo tudo a respeito deste pequeno e múltiplo país a partir do 11 de setembro de 2001, quando os EUA foram atacados e o World Trade Center foi inteiramente explodido com milhares de pessoas dentro. Múltiplo porque o Afeganistão é composto por umas 5 etnias, que falam, ao menos, cinco idiomas diferentes.

George Bush, até então chefe supremo do brutal capitalismo americano, nomeou Osama bin Laden e sua trupe, aquela legião de barbudos fanáticos e desequilibrados, como responsáveis pelo atentado. E, com o aparato da mídia, se iniciou uma perseguição sistemática aos membros da Al Qaeda.

Atiq, de etnia persa, é um escritor, cineasta e desenhista afegão. Nasceu em Cabul, capital do Afeganistão, no ano de 1962. Há 25 anos atrás, quando o país foi invadido pela finada União Soviética, o escritor saiu de sua casa e, com um grupo de rapazes, seguiu a pé, até a fronteira com o vizinho Paquistão, de onde viajou para a França.

A neve era intensa, entre Afeganistão e Paquistão, e Atiq viu nela uma página em branco e um texto a ser escrito.

Ao cruzar a fronteira, a pé, um guarda lhe diz para olhar fixamente pela última vez o seu Afeganistão e, depois, olhar para o Paquistão, país que o acolheria temporariamente, pois, dali, seguiria para a Europa.

No dia 13.6.2018, Atiq, retornando ao Brasil, contou-nos, no mesmo CCBB, que sua mãe, uma mulher com mente bem avançada, era simpática ao budismo, enquanto seu pai era monarquista. O irmão, comunista e guerrilheiro, acabou sendo assassinado pelos talibãs.

Atiq se diz ateu e anarquista, mas prefere não fazer uma crítica contundente a respeito daqueles fanáticos barbudos, limitando-se a dizer que o Afeganistão está mergulhado no caos. É o que percebemos quando ele fala de seu país, ao qual, talvez, nunca mais volte. E também não é bem vindo no vizinho Irã.

Autor de A balada do cálamo, entre outros livros, Atiq é também autor do livro Syngué sabour, Pedrá-de-paciência, onde relata a triste história de Nadia Anjuman e “a dor que lhe causou o assassinato” da poeta, “espancada até a morte pelo marido com a conivência da mãe [dela], que a acusava de ser liberal demais”, pois era uma mulher culta e escrevia poesias. O marido, que mais amava sua metralhadora Kalashnikov, silenciou, portanto, um sensível ser humano e a poesia que havia dentro dela, fazendo-nos lembrar do fuzilamento do poeta espanhol Federico García Lorca.

Os poetas, um dia, estarão mudos, mais nada, mas tem sangue eterno a alma ritmada, como escreveu a nossa Cecília Meireles. E a poesia sobreviverá eternamente na alma de outros poetas que virão, e lutarão, com sua escrita e escritura, contra todos os regimes autoritários.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 18/06/2018
Reeditado em 15/07/2019
Código do texto: T6367859
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