INFÂMIA IMPERDOÁVEL

Nunca enjoei viajando de avião. Contudo, numa oportunidade em que meu vôo fazia procedimento de descida para pouso em Salvador/BA, ocorreram-me náuseas de nojo e de tristeza. Foi quando ouvi o pessoal de bordo anunciar que preparávamos para pouso num aeroporto com nome de deputado ao invés do tradicional “Dois de Julho”. Para meu desgosto, já tomara conhecimento dessa inominável babaquice. Mas, fazia questão de não a ter na memória.

Para aliviar o mau humor e os dentes cerrados, passei a cantarolar - baixinho - Nervos de Aço, de Lupicínio Rodrigues: Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?/ Ter loucura por uma mulher/ E depois encontrar esse amor, meu senhor/ Ao lado de um tipo qualquer?

Desconsiderar o “Dois de Julho” para prestigiar um deputado forjado à sombra política e econômica de seu truculento pai é ato de rasteira crueldade com a história da Bahia e do Brasil. É pretender apagar um marcante episódio de bravura desses conterrâneos nordestinos para a consolidação da independência nacional. Sem a independência da Bahia, as tropas portuguesas sediadas no nordeste desceriam ao Sul e mandariam D. Pedro às favas, a engolir sua bravata, com espada goela abaixo e tudo.

Dois de Julho não é coisa de baiano para baiano. É data para ser comemorada nacionalmente. Soma-se, em alto destaque, às muitas contribuições do valoroso povo baiano ao país. Um milhão de vezes maior que a desimportância de um político cujo principal dado curricular é ter sido filho de um governador com aspiração imperial. É fruto podre da magalhomania. É servilismo descarado, descomprometimento com a vergonha pública.

Cheguei a divagar de como ficariam alguns nomes de lugares turísticos e históricos da Bahia, nas mãos desses magalhomaníacos, sem as merecidas peias.

O Elevador Lacerda viraria Elevador Magalhães. O Mercado Modelo seria renomeado CCM - Centro Comercial Magalhães. O Pelourinho receberia o nome de Largo Magalhães Neto. O Terreiro de Jesus passaria a ser chamado de Terreiro do Bom ACM. As emissoras do esporte anunciariam o Fonte Nova como Estádio Deputado Luiz Eduardo Magalhães, ou Luluzão. Dá para imaginar o que pendurariam – mumificado - na entrada principal do estádio, já que o coração está na enterrado na Paralela.

Até o Esporte Clube Bahia, viraria Clube Esportivo Governador ACM. O Vitória seria rebatizado como Magalhães Esporte Clube. Não teríamos mais o efervescente BAVI, mas uma nojenta GOMA.

Por muito pouco não se daria novo nome à Baía de Todos os Santos: Baía de Todos os Magalhães.

Enfim, nunca mais Salvador e – sim – Magalhópolis, onde o transeunte desacostumado se perderia em tantas ruas, avenidas, praças, escolas, edifícios e até postes com nomes Magalhães, Magalhas e Magalhinhos.

Também, não mais o Estado da Bahia, mas a Capitania de Magalhândia, prenhe de cidades Maga.

Tirando a pilhéria. Já corremos esse risco. Confiram os nomes mais recentes de cidades no interior do Estado.

Isso tudo louvado e festejado por um obeso time de capachos e obnóxios, pagos com recursos públicos e mordomias. Chaleiras de carreira, enquadrados no PCPCP - Plano de Cargos Públicos e Carreira Política. Fugitivos das aulas de história, adestrados na lambição e no “beija a mão”. Sempre bem remunerados ou recompensados com posições ou promessas de poder e destaque.

O baiano até nem mais se indigna com esse pernicioso jogo de poder. Mas, convenhamos, é excesso de abuso e de ousadia, tentar sepultar o “Dois de Julho” sob o pegajoso e apodrecido barro da sabujice. O mesmo que serve de massa para esculpir estátuas de familiares e amigos da magalhoconfraria.

E não fica por aí. Nas pobres cidades do interior não faltam ruas, avenidas, praças, pontes, viadutos, rodovias etc. com nomes da grei Magalhães, de seus asseclas e de outros ignóbeis ditadores da época de chumbo do Brasil: Castelo Branco, Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel etc. Até sargento dedo-duro já ganhou nome de rua.

O que quase nunca se vê é placa com o nome “Dois de Julho”. Mesmo as propostas de alteração de nome de logradouros públicos nunca perseguem o objetivo de corrigir essa infâmia. Buscam – isto sim - sempre o objetivo de amealhar votos ou privilégio na concorrida disputa por repasses voluntários de recursos públicos estaduais e federais.

Enquanto na África do Sul se derrubam estátuas de Rhodes, Botha e outros símbolos da cruel colonização branca - do vergonhoso apartheid - na Bahia, enterram-se símbolos da liberdade em nome da bajulação.

Passa da hora fazer-se uma varredura completa nesse acoelhamento político. De estancar a apologia à idiotice. De desatar os nós que ainda fazem pobres coitados dependentes dos favores do poder e gente boa em vassalos desmemoriados. Enfim, é hora de respirar a atmosfera de uma Bahia “macha” e de resgatar a confiança dos baianos em sua gente talentosa. De reconhecer, sem acanhamento e com orgulho, em todos os cantos, os verdadeiros encantos da Bahia.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 19/06/2018
Código do texto: T6368596
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.