Os matutos filosofam
 
          Nada melhor do que escutar conversa, à boquinha da noite, iluminados pela fogueira, num terreiro da choupana de um lavrador. Nessas circunstâncias, os matutos se soltam, dizem o que querem, e escutamos coisas surpreendentes; sem estarem vigiados por algum “coronel” ou “capitão-do-mato”, até mesmo sobre os políticos que mais os representam e os que mais cuidam deles, que mais fazem benefícios, aos que moram no campo, o que, há muito tempo, já tem a cidade...  Esses matutos, se inibidos, pensam, filosofam; se desinibidos, falam sabedorias, como Dersu Uzala, vivendo sozinho nas florestas siberianas, visto no filme de Akira Kurosawa, como contemplativo da natureza.
        Fora do seu habitat, na feira livre da capital, em torno de um monte de milho verde, rompem seu costumeiro silêncio geralmente para responder o preço da espiga e explicar, com qual sacrifício colheu umas “mãos de milho”. Hoje, parecem até informados sobre o que se esconde atrás do Supremo e sobretudo o que pretende a “Justiça de Curitiba” ... Mostram-se que não são apenas trabalhadores da roça; reivindicativos, conseguiram manter seus pedaços de terra e ter os seus próprios roçados.
          Foi na feira de Jaguaribe, diante do seu monte de milho, estirando o suado dinheiro na mão esquerda, que ele ouviu, sem demonstrar interesse, ao que estava escutando, uma dama reclamar que o milho estava muito caro. Contudo, ela abriu sua luxuosa bolsa e pagou as escolhidas, sob medida, espigas de milho verde. Mas, antes de sair, ela recebeu o troco: ouviu o cansado agricultor pronunciar, sem hesitação, sem a instrução que nunca lhe foi dada, uma proverbial, profunda e pertinente filosofia: “Como o Sol e a Lua que Deus nos dá, um dia haverá o amanhã” ... A simplicidade reinante em suas vidas é uma generosa fonte de sabedoria.  É, eles também filosofam.