Sobre o espelho.

'A face lúcida daquele espelho refletia coisas invísiveis à olhos comuns.

A reunião de vontades (ou ausência delas), daquela geração vazia, copos cheios, e sobre a mesa, algo parecido com maizena, ou farinha.

E refletia mais.

Mostrava ao mesmo tempo o que eram antes, agora, e o que seriam depois.

E também uma certa apatia voluntária, ou simplesmente falta de reação, masoquismo...apetite pela autodestruição quem sabe.

O dia se aproximava, todos sabiam, haviam planejado sem nada dizer. Simplesmente aconteceria, mais cedo ou mais tarde.

E naquela tarde, raios alaranjados de luz solar adentravam os vitraux empoeirados.

A mesa de centro. Todos em volta. O silêncio. Os pombos. A luz. Os rostos obsessivos sobre a mesa. Canetas. 185 batimentos por minuto.

Tudo foi muito rápido. Estampidos. Uma nuvem, o barulho de asas e a sombra.

Suicídio coletivo e vibrante. No espelho tudo que não seriam.

E um pouco de maizena, encharcada com algo que lembrava groselha.

A face lúcida daquele espelho, refletia palavras esquecidas e sentimentos anestesiados, como que com morfina.

A mesa de centro, todos em volta, para sempre.'