Medicina: acreditar não é suficiente...

Lembro ainda hoje quando decidi fazer medicina. Passados alguns dias da catarse que tive, fui pesquisar mais a fundo a ideia de abrir mão de uma história que poderia ter se tornado real, mas, não necessariamente era a realidade que eu queria vivenciar.

Para quem acompanha o Blog (Diário do Vestibulando de Medicina) há alguns anos a referência é mais clara. Entretanto, aos recentes leitores, explanarei… Não serei tão específico com datas, até porque minha memória é tão sólida quanto a possibilidade de entrar duas vezes no mesmo rio (Heráclito daria risada dessa piada rs). Deixando meus péssimos trocadilhos de lado, foi assim…

No ano em que estava prestes a me formar como Técnico de Enfermagem, fiquei balançado com algumas histórias que li a respeito de pessoas que tinham profissões renomadas e que abriram mão de todo o prestígio que tinham (conheço gente bem sucedida que largou tudo), para entrar nesse mundo louco de vestibulares. Até esse momento tudo era apenas um sonho, um belo e maravilhoso sonho (eu ainda tinha uma visão bem pueril do vestibular de medicina, não havia conhecido seus espinhos mais intimamente), estava prestes a entrar de cabeça na busca desse sonho.

O catalizador que faltava para acelerar o processo só veio após a maior experiência que tive – até hoje – e que me fez perceber que meu sonho era, com efeito, medicina. Isso ocorreu numa visita que fiz em um Hospital durante o estágio. Até aí, tudo normal. Era só mais um dia de prática de enfermagem. Porém, como tínhamos poucos pacientes, sobrou bastante tempo para circular no Centro Cirúrgico. E de repente, nossa professora disse que conseguiu com um responsável que permitisse que nós assistíssemos a uma cirurgia ortopédica, os médicos estavam na metade da cirurgia, já tinha algumas horas. Era um procedimento no fêmur, para colocar pino e placa. (qualquer incoerência, perdoem-me! O desejo é me tornar médico, ainda não sou um…). Nunca antes do ocorrido tive uma experiência tão íntima com a medicina. Por isso, tive uma catarse. Inicialmente, quando anunciaram a oportunidade, fiquei com medo de desmoronar todo o resquício de sonho que estava alimentando internamente. Mas, definitivamente, após esse dia, nunca mais fui o mesmo! Foi uma experiência determinante para que me tornasse o vestibulando aguerrido de hoje. O tempo? Ele passa para qualquer um. É impetuoso. Sei que já faz alguns anos que estou nessa luta. Porém, no mesmo dia em que assisti esse procedimento, decidi que seria médico. E minha promessa foi: estudar até passar. Para que descumprí-la? Só por causa do capricho de quem enxerga o tempo numa perspectiva individual e ínfima? A experiência desses anos espinhosos me fez criar uma blindagem contra as pressões sociais que vivemos, que tentam criar uma reificação total das coisas, isso inclui até mesmo a reificação do ser humano nos moldes e pressas do mercado. Aprazivelmente, meu único intuito é: passar no meu tempo.

Mas, afinal…

O que eu quis dizer com “acreditar não é suficiente” ?

Não é tão simples como parece. Algum leitor mais desatento pensaria que perdeu todo seu tempo chegando até aqui, para ler o óbvio. E fecharia a página enfurecido pelos minutos que serão descontados dos cálculos das questões de refração. Mas, assim como a refração não é tão óbvia aos nossos olhos e por isso existem equações que nos fazem compreender melhor esse espinho – para alguns – (hoje estou impossível rs²), títulos aparentemente óbvios podem ser mais profundos do que esperávamos. Esse é um exemplo.

Justificando…

Quando estamos estudando para um curso tão concorrido como medicina, acabamos irresistivelmente indo atrás de fontes motivacionais para nos inundar de “vontade de potência“. E é algo que de fato ajuda. Agora… E quando você está tão exaurido, enfadado do tempo em que presta vestibular ou até da rotina desgastante, que você não sente motivação com qualquer fonte motivacional? Já chegaram nesse extremo? Eu cheguei. E o que foi preciso fazer para continuar focado nos estudos? Na Grécia Antiga, muito antes de qualquer doutrinação, Aristóteles dizia: “A virtude consiste em saber encontrar o meio termo entre dois extremos.” Isso significa que viver em um dos extremos, pode ter o peso da autodestruição. A prudência é o caminho da realização equilibrada, é exatamente o que comecei a entender depois de secar minhas fontes. Não adianta passar em medicina sem condições físicas ou psíquicas para cursar.

Se motivar demais não traz resultados concretos. Assim como viver uma vida sem nenhum significado. É simples atingir a nossa prudência. Basta atender as nossas necessidades como indivíduos, sem nos deixar corromper pelo sentimento de fugacidade que as pessoas nesse mundo contemporâneo respiram. Isso retoma a ideia que elucidei sobre reificação, que é viver num mundo dominado pela ideia de consumo, a ponto de reificar tudo aos moldes do mercado, os afetos, as pessoas e a ideia de tempo…

Como busquei conhecer a minha prudência?

Antes, justificando o termo “minha prudência”, quero me referir desse jeito porque concerne ao meu equilíbrio, não é o seu. Meus extremos são diferentes dos seus. Por isso, cada um precisa tentar encontrar os próprios e centralizá-los, de modo que as vicissitudes sejam suprimidas, mas, sem auto-repressão. Sei que é complexo, todavia, no fundo vocês entenderam o que quis dizer.

A princípio, não é sempre que me sinto bem. Isso faz parte do jogo. Contudo, sei lidar com meus momentos de fraqueza. E não deixo de vivê-los. Até porque torcer para a vida passar apenas aos bons momentos é, simplesmente, não viver. Pois os momentos ruins são muito mais duradouros, e não preciso ir muito longe para encontrar exemplos. Faz parte dessa nossa natureza perturbada que já brotou na terra sem saber “O que sou?”, “De onde vim?”, “Para onde vou?”, “O que é que estou fazendo aqui?”, temos sempre mais indefinições, do que respostas.

Sei que para alguns não fará sentido, porém, quem está levando isso a sério, quem tem contato com o conhecimento de uma forma íntima e não apenas automática com um fim exclusivo de aprovação… Quem consegue sentir o que está estudando e entender que todo conhecimento faz parte de um processo de aprimoramento e compartilhamento entre seres humanos para que pudéssemos sair do estado de Natureza, para que atingíssemos avanços significativos que melhoram nosso IDH, que reduzem nossa mortalidade infantil, que aumentam nossa expectativa de vida, que reduzem significativamente a fome global (apesar de algumas controvérsias), melhoramos muito devido esse aprimoramento intelectivo e capacidade de cooperar. Então, é o mínimo que posso me dispor a fazer. Aprender! Por mais que eu sinta dificuldade (todos nós sentimos), independente de precisar repensar meus métodos sistematicamente, minha forma de produzir conhecimento, minha forma de pensar… Independente dessas instabilidades e inconstâncias, faço o máximo esforço para aprender melhor. Não apenas decorar as coisas. Aprender e entender tudo o que me cerca. Se querem que compartilhe algo que traga a importância de aprender, e não apenas decorar, elucidarei. Tenho um amigo que fazia cursinho comigo e que hoje faz Medicina na UFRGS, nos comunicamos na medida do possível com alguma frequência. Ele disse algo que guardei e que considero positivo no meu método de estudos. Ele contou que levou tempo para passar, mas que fez de tudo para aprender verdadeiramente o máximo que podia, sem ficar apenas decorando as coisas. Ele queria de fato ter conhecimento para uma profissão tão exigente e importante como a nossa. E isso fez muita diferença na vida estudantil dele na Faculdade de Medicina, pois muitas pessoas do curso adotaram o método mais imediatista, e hoje encontram extrema dificuldade para acompanhar, se adaptar ao conteúdo denso e a buscar uma forma mais eficiente de estudar (coisa que poderia ser planejada enquanto vestibulando, mesmo que levasse mais alguns anos), tanto é que ele foi um dos poucos da turma que tirou uma nota bem alta numa prova difícil. Isso ele aprendeu enquanto estava no vestibular. Essa forma insistente de aprender, de buscar os ápices dos métodos que são eficazes nas suas características de aprendizado. Já antecipo que manterei esse amigo em anonimato, mas ele tem um papel muito positivo na minha preparação. Agradecerei bastante quando atingir meu objetivo.

Considerações finais

Se pudesse resumir tudo em uma única frase, seria numa máxima socrática (que tantas vezes já utilizei): “Conheça-te a ti mesmo”. E isso possibilitaria uma ponte com o conhecimento aristotélico e sua prudência, visando encontrar o seu equilíbrio através do autoconhecimento e do autoquestionamento. Se estiveres pensando que isso tudo é algo que se encontra nos livros de auto-ajuda (que ajudam alguns escritores a terem uma vida mais aprazível rs³), estás nimiamente enganado. Isso não é receita desses livros (com todo respeito aos respectivos autores). É experiência de quem sente essa luta difícil na pele e precisa de subterfúgios para conseguir estudar todos os dias. Desse modo, levando em consideração os itens supracitados, já é mais que provável dar um salto qualitativo na situação de estudante. O conhecimento tem que ser levado a sério, porque não teremos as menores condições de sermos bons médicos, se não tivermos condições intelectivas de diagnosticar nossos pacientes, e não digo apenas uma avaliação física. Falo de uma observação profunda, do estado bio-psico-social do indivíduo. Infelizmente muita gente consegue passar apenas com conhecimentos aplicados em áreas exatas, mas, o médico não opera uma máquina. Ele precisa conhecer seu paciente, logo, precisa ter conhecimentos em Sociologia, Antropologia, Pscicologia e Filosofia, por mais simplistas que sejam, é preciso pensar nesse aspecto amplo, não apenas na parte prática. Sei que é exigir muito, entretanto, confiamos nosso bem mais precioso aos médicos, nada pode substituir isso, absolutamente, nada se sobrepôs a importância da vida. Se não fosse a importância da vida, não estaríamos nesse diálogo, não haveria uma preocupação em prolongar a existência humana, não existiriam cientistas preocupados com reprogramação genética, com pesquisas médicas na área de oncologia, com buscas cada vez mais vorazes em órgãos biônicos mais eficientes, em lugares com condições favoráveis ao desenvolvimento da vida, a literatura não se preocuparia com assuntos que adaptem o intelecto do indivíduo às mudanças que virão, etc… Não é preciso ser tão empenhado para perceber que a ciência se preocupa com a nossa longevidade e, sobretudo, com a vida. Sei que o mercado acabou criando interesses paralelos e de certa forma direcionando as pesquisas, entretanto, para que haja mercado, é preciso que haja consumidores. E para haver consumidores, é preciso que nossa espécie esteja viva.

Muito obrigado por ter chegado até aqui!

Agora me diga: o que você espera da sua vida nos próximos anos? Não precisa ser apenas “passar no vestibular”, vá além! Se tiver algum projeto, perspectivas, etc.. Compartilhe! E, novamente, obrigado pela leitura!

Link da postagem no Blog:

https://diariodovestibulandodemedicina.wordpress.com/2018/07/10/acreditar-nao-e-suficiente/