O homem que sonhava com o mar

Na casa abandonada do mais antigo bairro da cidade morava um casal de andarilhos, que se mudaram para ali no inverno de dois anos atrás.

O homem, já velho e consumido principalmente pelo tempo que viveu dormindo embaixo de toldos e arvores, conheceu sua mulher em uma esquina da cidade vizinha. Ele já tinha seus quarenta e tantos anos, mas parecia que tinha sessenta, usava um fino bigode que nunca estava sempre simétrico.

A mulher, estava na mesma faixa de idade, com a pele marcada pelo sol de quando trabalhou como cortadora de cana no interior do estado, foi doada pelos pais para uma família de exploradores sexuais, e fugiu na adolescência para a tal cidade vizinha, onde conheceu o álcool, que se tornou seu maior vicio e única forma de prazer.

O homem era manco, nunca chegou conhecer os pais, e possuía sempre uma cara séria e fechada, estava todo dia no semáforo tentando ganhar algum dinheiro. Não podia trabalhar usando sua força física, e se quer sabia assinar o próprio nome. Levava sempre sua esposa nas andanças para ganhar algum trocado, e se não estavam no semáforo, estavam limpando o posto de gasolina da esquina, bem como as calçadas da região. Andava devagar por conta de sua perna até o centro da cidade duas vezes por semana, onde um homem dono de restaurante, sempre conseguia marmitas bem feitas no almoço. Na vizinhança, todos praticavam como entendiam o verbo ajudar, doando ou arranjando comida quando quisessem.

No final de cada dia, ele e sua esposa pegavam o dinheiro arrecadado e iam buscar crack e pinga. Ao contrário do que se pensa, compravam em uma da casas mais imponentes da região, onde durante o dia era um famoso escritório de contabilidade, e a noite, um parque de diversões para os viciados das redondeza.

Na sua caminhada diária da casa abandonada onde moravam até onde ficavam pedindo dinheiro ou trabalho, o homem contava sobre o sonho da noite passada, que era quase sempre sobre uma pescaria no mar; ele estava remando em um mar azul-turquesa, e em seu barco de madeira, sempre estava acompanhado por um chapéu de palha, cordas e uma vara de pescar que usava para travar batalhas contras diferentes tipos de peixe, como se fosse uma arma de guerra, que além de enobrecer seu eu, lhe trazia segurança.

“Mas como você sabe que o mar é azul-turquesa meu bem? Você nunca esteve lá.” Indagava sua esposa sobre a cor do oceano.

-Eu não sei, mas se sonho, é assim que é. — Respondia o homem para a mesma pergunta.

E continuava a contar sobre os peixes que algumas vezes até conversavam com ele, detalhando o seu sonho, que realmente era o maior desejo que possuía, o de ir de encontro ao mar infinito.

Caminhavam todos os dias, e paravam no posto para tentar ganhar algum dinheiro.

O vicio de ambos era conhecido, sabiam todos da redondeza sobre o consumo de crack e álcool do casal dentro da casa ocupada, e foi em um dia frio que homens da redondeza resolveram compartilhar dos objetos deste vicio do casal, sem que eles soubessem.

Pularam o portão branco e baixo, procuraram algum lugar para conseguir entrar, e pelos fundos encontraram janelas sem vidro. Puxaram uma das abas de madeira, e entraram por ali. Subiram as escadas em madeira velha e já fragilizadas pelos cupins, e chegaram no quarto onde estava o casal dormindo em um velho colchão no chão, com um cobertor curto e furado.

O que não calcularam os viciados, é que o sol já estava quase nascendo e não haveria ali sobras de droga ou álcool. Enfurecidos por não terem achado nada, um deles chutou a cabeça da mulher e depois deu três pisões fortes enquanto o outro puxava o homem violentamente pelos braços. A mulher sentiu apenas o primeiro chute e desmaiou, o homem acordou assustado, mas antes que pudesse fazer algo, seguraram sua cabeça pelas orelhas e bateram fortes 2 vezes contra o chão. Roubaram o pouco de roupa que tinha no local, e um chapéu de palha que o homem guardava para o dia que fosse para o mar pescar.

A mulher acordou horas depois, ainda zonza olhou para o lado e viu seu marido no chão com a pele branca. Deu um grito e ele acordado porém imóvel tentou dizer algo, ela se arrastou rapidamente pelo chão até perto dele, e segurou sua cabeça com a mão. Ele estava todo inchado e sussurrava baixo:

-A água do mar, a água dele é mais salgada do que nos meus sonhos.

A mulher correu para a rua e começou a gritar por socorro. Já estava claro naquele momento, e quando a policia chegou a imobilizou imediatamente dizendo que havia denúncia de um surto por conta das drogas. Demoraram tanto para ouvi-la, que quando os médicos chegaram, o homem já estava morto sob seu próprio sangue.

No dia seguinte comentaram no posto de gasolina, que o homem que ficava no sinal havia morrido. Mas ninguém ali se lembrou muito bem de quem era, apenas quem trabalhava no local.

A esposa daquele homem se mudou para a sua antiga cidade, mas não se sabe o que aconteceu depois.

Murilo Locatti
Enviado por Murilo Locatti em 13/07/2018
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