Lembranças de Havana (VII)

As ruas de la Habana Vieja guardam algumas semelhanças com os centros antigos de muitas cidades, mas possuem algumas características bastante particulares. Uma delas é a simetria entre as ruas: aparentemente, as ruas centrais da cidade foram meticulosamente planejadas, o que contrasta com os centros antigos normalmente ocupados ao sabor das necessidades imediatas. Não consegui descobrir se foi obra do caso ou capricho do colonizador espanhol.

A característica mais marcante, no entanto, é que as ruas muito estreitas raramente são banhadas pelo sol. O arruamento tangencial à trajetória do sol e os inúmeros sobrados vedam a luz natural e conferem à paisagem um aspecto sombrio e úmido consagrado nas fotografias da cidade.

Essas observações vem à cabeça à medida que o transeunte oriundo do mundo capitalista choca-se com a absoluta ausência de estabelecimentos comerciais. A lógica mercantil orienta a ocupação dos espaços urbanos nas sociedades de consumo, valorando ou não determinados espaços sob uma perspectiva estritamente utilitarista.

Em Havana, a lógica utilitarista que prevaleceu até 1959 se diluiu com a adoção de uma funcionalidade urbana que, sob a ótica do observador estrangeiro, é anárquica porque não se enquadra dentro dos padrões capitalistas convencionais de produção e consumo. Não é a dinâmica mercantil que orienta o uso do espaço.

Na capital cubana, a cada manhã, não se veem fluxos deslocando-se da periferia para o centro da metrópole; as áreas de adensamento comercial não orientam o sistema de transportes; a cidade, em suma, não se organiza em função da dinâmica espacial da elite burguesa, que por lá não existe.

Essas ideias só se cristalizam na mente do visitante algum tempo depois. No início, há o choque terrível da ausência de referenciais capitalistas: os espaços de aglomeração e consumo inexistem e emergem a angústia e o pasmo: quem desejar comprar um remédio qualquer no meio da noite, como o fará? A prosaica aquisição de uma fruta assemelha-se a uma aventura inconsequente na metrópole com dois milhões de habitantes.

O fato, para o visitante ambientado à comodidade da vida burguesa, é que o regime cubano desconsola porque desnorteia e deseduca. Vagar sem rumo pelas ruas de Havana, examinar os rostos dos passantes, bebericar rum nos hotéis, conversar com garçons e músicos, circular nos ônibus coreanos implica um questionamento de valores profundo, um exercício de iconoclastia. Mas a que conduzirá?

Eis uma indagação cujas respostas, provavelmente, amadurecem lentamente.