JEGÃO

Conta-se que na antiga cidade de Pilão Arcado/BA, antes de ser parcialmente mergulhada na represa de Sobradinho, aparecia de tempos em tempos um cidadão forte, vestido de cangaceiro, com fama de valente e reconhecido como descendente de Corisco, do bando de Lampião. Geralmente, fazia-se acompanhado de meia dúzia de jagunços armados com facões e espingardas. Todos montados em cavalos. Por lá ninguém sabia onde o bando residia fixamente. Acreditava-se que era nas brenhas da caatinga, sem ponto certo, ao modo da gente de Lampião. Movimentava-se na região, visitando e, às vezes, extorquindo e saqueando propriedades rurais ou pequenos comércios nos vilarejos.

Em Pilão Arcado, contudo, comportavam-se como gente boa, amigos dos residentes locais. Quase nunca ameaçavam nem roubavam. Pagavam regiamente o que consumiam.

O verdadeiro nome do líder, se alguém soubera, já se esquecera. Era conhecido por Jegão. Apelido que lhe fora colocado por Rita de Amâncio, mulher esperta, fiel tão somente a ele, quando na cidade. Para os demais, vendia seu leito pelo melhor preço. Era na casa de Rita que Jegão se aninhava durante sua estada em Pilão Arcado. Lá, gozava de toda mordomia, cama, mesa farta, banho, roupas lavadas etc. Tinha até um inconteste admirador de todas as horas, Gedelino, rapaz de uns vinte e pouco anos, mas abobalhado quase como criança, que acreditava ser seu filho com Rita. Jegão sempre presenteava os dois com lembrancinhas adquiridas por suas andanças. Gedelino também acreditava ser Jegão seu pai, apesar da dúvida que permeava toda a cidade sobre essa paternidade.

Jegão gostava e orgulhava-se de seu apelido. Valorizava-o imitando em alto e bom som o relinchar de jegue, sempre que algo afetasse positivamente seu humor. Por exemplo, fazia isso quando via uma dama de seu agrado, quando recebia um elogio, quando revia um amigo e por aí. Gedelino também aprendeu a imitar Jegão no relinchar.

Desta feita, bem como em todos os anos, Jegão visitava Pilão Arcado, a propósito das festas juninas. Levou corte de chita para Rita fazer vestido de festa e fogos de artifício para Gedelino soltar, ao lado da fogueira.

Durante o dia, era no boteco de seu Menino que a diversão acontecia. Muita prosa, bravatas e mentiras miúdas sob a liderança de Jegão. Tudo isso regado a muita bebida: cachaça, vinho de cravo, traçado de fernet, jurubeba etc. Jegão fazia questão de pagar a conta, em meio a aplausos e elogios.

À noite, a tradicional festa de São João, na roça de Fordinho. Enorme fogueira, aquecia e clareava o ambiente. Jegão e seu bando presentes, mais Rita, estreando vestido novo, e Gedelino cheio de traques, bombinhas, chuvas de prata, pistolões de sete cores, busca-pés etc.

Zemaria, na sanfona, Dinho no zabumba e Bié, no triângulo, animavam executando tradicionais músicas do forró pé-de-serra. Licor de jenipapo, vinhos domésticos de frutas diversas, batata doce, milho verde, cará, mungunzá, canjica, bolo de aipim, cocadas, pé-de-moleque e carne de bode moqueada na brasa da fogueira compunham os comes e bebes.

No meio daquela gente toda, também tinha os que não gostavam muito de Jegão, menos ainda apreciavam seu chamativo relinchar solto periodicamente para marcar presença. Dentre os adversários, destacava-se Abel barbeiro, também chamado de degolador, por ter cortado, a navalha, o pescoço de um visitante que se encantara com Josi, sua formosa e atraente mulher. As más línguas diziam que Mirinha, filha de Josi, com 15 anos, parecia muito com Jegão. Abel confessava a amigos que reservara uma navalha especial para Jegão, caso ele se adiantasse com sua mulher.

Dia seguinte à festa, Mirinha confessara à mãe ter perdido a virgindade com Gedelino, atrás da tapera de lenha. Ao saber, Abel afiou a navalha e foi atrás do filho de Rita. Jegão o recebeu de espingarda na mão. Abel não se atreveu a medir forças e apelou para denunciá-lo à polícia militar baiana, no quartel de Remanso, onde já havia ordem de captura do bando.

Chegaram, estrategicamente à noite, três jipes abarrotados de soldados. Todos armados de fuzis. Montaram campana nas proximidades da casa de Rita, aguardando a saída de Jegão.

De repente, na escuridão, o cangaceiro saiu totalmente paramentado e atirando a torto e a direito. Os soldados responderam com certeiros tiros. Abateram-no. A cidade em polvorosa acorreu observando aquele corpo inerte, debruçado, esvaindo em sangue. Os policiais, ainda de armas em punho, aproximaram-se, iluminaram e desviraram o corpo. Era Gedelino.

Jegão fugira de pijamas pela porta dos fundos, deixando suas roupas e armas, depois usadas por Gedelino no arroubo de enfrentar sozinho os militares.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 04/08/2018
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