Fátima, pintora sem pincel


          Há anos atrás, enquanto esperávamos o voo, minha filha caçula, Esther, aos três anos de idade, foi atraída por um enorme aquário, em cujo vidro encostou seu pequeno nariz, mergulhando os olhos nas águas e algas, e quase em diálogo com os peixes, observou as bocas, as caudas e as nadadeiras, suas súbitas partidas e o seu parar sereno. Pegou o avião e, ao chegar em casa, trocou de roupa, e, sem aulas de natação, de repente, pulou na piscina e nadou. Concluí que a natureza é mestra: aprende-se a nadar com os peixes; e a voar, com os pássaros.
          Agora, a competente jornalista Fátima Farias voa nos céus das pinturas, organizando exposições na Fundação Casa de José Américo; apareceu mostrando-nos belas telas, dizendo serem obras suas. Diante de tão grata surpresa, com cuidados para não magoá-la, medi palavras para perguntar: - Como foi isso? Imaginei, teria sido como aconteceu com Esther, levando em consideração sua convivência com tal arte? Então, confessou que foi e não foi ela quem pintou. Apenas, diante de um tacho cheio de tintas, foi atraída pelas cores, mergulhou as mãos, e, sem escolha, foi espalhando o azul, o vermelho, o verde, o amarelo na tela, de olhos quase fechados, conforme misterioso impulso que recebia, num ritmo marcado pela vontade e pelo desejo. E quando abriu os olhos, maravilhou-se com o que tinha feito. Entusiasmada, prometeu expor esses “Mistérios, Surpresas e Revelações”.
         Curioso, recorri ao amigo genial artista Flávio Tavares que, prudentemente, explicou: “É possível” ... E dissertou sobre famosos pintores, como Goa, Van Gogh e Jackson Pollock, que, parecendo “endiabrados”, pintavam assim numa estranha velocidade. Os esotéricos, evitando o termo “endiabrar”, justificam que tais criações são coisas dos espíritos que, em gunas, suscitam criatividade e iluminação. E sem pincel? Respondeu-me Flávio: “Sim, você faz uma crônica, mesmo quando a escreve, jamais pensa que está usando uma pena...” Daí, Fátima, uma pintora sem pincel.